[Contém spoilers]
O pequeno “tablet da guarda” enviado para nos proteger durante toda a nossa vida
A segunda entrada desta temporada foi realizada por Jodie Foster que, apesar de ser mais conhecida pelo seu papel de atriz (The Silence of the Lambs, Taxi Driver), também já leva alguma experiência como realizadora (Money Monster, House of Cards e Orange Is the New Black).
Resumidamente, Arkangel trata dos medos dos pais perderem os seus filhos ou deixarem que estes se magoem num mundo que a cada dia parece mais perigoso. A pensar nisso, é desenvolvida uma tecnologia que lhes permite não só conhecer onde estão os seus rebentos a cada hora, minuto e segundo do dia, mas também lhes dá controlo sobre a visão dos filhos, vendo o que eles veem e filtrando o que não querem que vejam. Excessivo? Doentio? Ou necessário e trazendo um sentimento de segurança que muitos pais desejam?
O paralelismo com a realidade atual é – como em quase todos os episódios de Black Mirror – assustadora e depressivamente próximo. Não teremos que esperar muito tempo até que algo do género aconteça e, tal como percebemos pelo episódio, o futuro retratado não é imaginado assim tão distante, está mesmo ao virar da esquina. Apesar de alguma previsibilidade no enredo e um final um pouco exagerado, não deixa de ser uma boa entrada para a série, com uma mensagem importante não só para todos aqueles que têm ou estão a pensar ter descendência, mas para todos aqueles que se preocupam com os membros mais novos da família. Gostava talvez que tivessem explorado melhor as consequências de reprimir os eventos stressantes na vida de uma criança, da importância de se ver o lado mais negativo da vida para se aprender a apreciar o lado bom, do efeito de crianças demasiado protegidas serem repentinamente expostas a todos os estímulos que lhes foram barrados e ainda que a parte da infância não tivesse passado tão depressa para a adolescência. De igual forma teria sido interessante ter a perceção de outros casos implantados com o Arkangel e não só o de Sara.
Engraçado que as estatísticas mostram que, ao contrário do senso comum, é agora mais seguro para as crianças brincarem na rua do que o era na época dos anos 80 e 90, onde todas elas brincavam livremente. São muitos os casos que se veem por exemplo no Reino Unido ou nos EUA de pais com trelas em crianças, moda essa que já se encontra esporadicamente em Portugal, mas que por outro lado contrasta com países nórdicos como a Suécia, Finlândia ou Noruega, onde a liberdade dada às crianças é de pôr um grito de horror na cara de muitos pais. Liberdade vs controlo, é essa a questão fundamental. Até que ponto os pais podem e devem controlar as vidas dos seus filhos? Qual é a linha que separa o amor e a educação da obsessão e repressão? Será desculpada a intervenção em casos que os erros da juventude terão consequências a longo prazo? Perderão os filhos a razão ao mentirem e enganarem os pais? Black Mirror é uma série que não considero ideal para uma maratona apressada, porque após cada episódio uma pessoa entra num estado reflexivo sobre aquilo que acabou de ver e como isso se enquadra no mundo que a rodeia. E não é mesmo esse o objetivo da série?
Espelho meu, espelho meu
Haverá alguém mais disforme do que eu?
Emanuel Candeias