Este artigo contém SPOILERS
Abrimos este piloto de The Handmaid’s Tale com uma mulher, a sua filha e marido em fuga. Não sabemos do que fogem, mas algo parece aterrorizá-los. Assim que, no meio do frenesim, se despistam, a mulher e a criança correm para um bosque, enquanto o marido tenta desviar os perseguidores. Nisto, apesar dos esforços, ambas são capturadas por homens encapuçados.
Depois, somos apresentados à mesma mulher, e ficamos a saber que o seu nome é Offred. A sua filha não está com ela e tão pouco sabemos o destino do marido. Está vestida com roupas que relembram o século XIX: uma túnica longa de cor escarlate e uma touca branca comprida na cabeça. Esta é uma história que nenhum de nós imaginaria. Parece haver uma troca de épocas. As vestes que relembram o passado não estão ligadas a ele, por muito que possa aparentar… pelo contrário! Somos levados para um futuro não muito distante da cena de abertura.
Offred é agora uma criada; forçada a viver na mansão antiquada de uma família endinheirada. Aparentemente um golpe político forçou a implementação de um regime totalitário fascista que, por conseguinte, voltou a reestruturar a sociedade, fazendo-a regredir em valores. O sexo masculino (caucasiano) volta a dominar os cargos mais importantes. As minorias são forçadas a fugir, esconder-se, ou então a submeter-se a uma vida de escravatura. As mulheres da alta sociedade estão incapazes de conceber filhos, mas nem por isso estão impossibilitadas de os ter. Offred é, literalmente, uma escrava sexual. Os donos que a “acolheram” pretendem aumentar a família e a protagonista é forçada a ser o “vaso de receber” para que tal feito aconteça. Nisto, vamos vendo Offred a narrar-nos os acontecimentos, desde flashbacks até à inclusão do novo regime e das novas regras sociais.
Quando refletimos sobre o estado político atual do nosso mundo pensamos que por esta altura estaríamos muito mais evoluídos socialmente… mas a verdade é que ele está politicamente a regredir ainda mais. O Brexit rompe com a União Europeia, Donald Trump é presidente, Donald Trump proíbe provenientes de certos países de viajarem para os Estados Unidos, Donald Trump quer construir um muro para impedir a comunidade latina de entrar no seu país, a Coreia do Norte ameaça constantemente os restantes países com uma guerra nuclear, na Síria inocentes morrem todos os dias entre o fogo cruzado provocado por interesses e disputas governamentais, a Chechénia cria um campo de concentração para homossexuais, entre muitos outros problemas a nível mundial. De facto, em 2017, o mundo está muito longe de ser pacífico e a Hulu aproveitou a altura ideal para nos arrastar para este universo que, embora seja novo e fresco, tem muito de semelhante ao que vivemos atualmente.
The Handmaid’s Tale, baseada na obra de Margaret Atwood, é uma viagem extraordinária a um mundo com que facilmente nos identificamos. É aquela série que é tão realista no seu retrato que nos agarra de forma instantânea ao enredo. Elisabeth Moss é maravilhosa e os seus olhos já refletem a sombra dourada do seu não-muito-distante Emmy. É um conto de horror que nos suga para algo que nos parece tão familiar. Um exemplo de como tirar proveito da época de ouro da televisão e do estado político putrefacto do planeta e revelar de uma vez por todas aos mais conservadores de que o ser humano, enquanto sociedade, não devia regredir no tempo, mas sim apalpar caminho para o futuro.
A fotografia, banda-sonora, direção artística e guarda-roupa estão magníficos e o elenco é absolutamente cativante. Alexis Bledel e Joseph Fiennes são alguns dos nomes que poderão ver durante o episódio e que prometem ser explorados com o avançar da narrativa. The Handmaid’s Tale será certamente uma das apostas mais interessantes deste ano e uma que continua a projetar esta era de ouro da televisão.
Jorge Lestre