Segunda-feira, 16 de agosto, marca a estreia da nova novela da RTP Pôr do Sol. Perdão, novela? O termo correto é mininovela, mas o novo programa de todos os dias do canal público português vai muito além do que se possa pensar à primeira vista.
Emitida de segunda a sexta, pelas 21h, Pôr do Sol tem um total de 16 episódios e vai contar as histórias que se podem encontrar em qualquer canal generalista em Portugal no horário nobre. Existem os típicos núcleos – ricos, pobres, populares e até a banda – e todos os clichés habituais que décadas deste formato televisivo já não surpreendem muito mais o público. Contudo, desengane-se quem ache que esta aposta da RTP é só mais um título a juntar a tantos outros. Esta mininovela traz ao pequeno ecrã nacional algo que o próprio elenco apelida de “inédito” – uma sátira a todos os estereótipos presentes nas tradicionais novelas.
Entre uma equipa criativa com anos de experiência no formato que aqui é satirizado e um vasto conjunto de atores que já fizeram ou fazem novelas, o realizador Manuel Pureza, em conversa com o Séries da TV, garante que “o respeito pela novela é enorme”. “Uma coisa é fazer sátira e outra é fazer pouco. Nós não fizemos pouco da novela. Estamos a rir-nos de nós próprios. Devia ser bom fazer novelas, porque têm de se dizer coisas indizíveis e fazer coisas infazíveis.” Aliás, o mote para o projeto foi “fazer uma novela muito muito a sério”. Cómica e humorística, é certo, mas nunca a apoiar-se na piada fácil e na cena pateta. O realizador e um dos sócios da produtora Coyote Vadio acrescenta que essa linha que separa o gozo da sátira é muito ténue e que a distinção entre ambas foi fulcral durante as gravações. “Se estiver acima é muito exagerado, se estiver abaixo não se passa nada. Foi esse o trabalho dos atores e foi uma tempestade ótima.”
Na apresentação desta nova aposta portuguesa, José Fragoso, diretor de Programas da RTP, salienta que Pôr do Sol vem, num género completamente diferente, contribuir para a literacia dos media, um dos focos do canal público. O objetivo desta literacia é que os espectadores tenham uma visão crítica sobre aquilo que veem e percebam como estão a ser manipulados e induzidos a determinados comportamentos. “Esta série vai fazer-nos pensar nisso mesmo de uma forma aberta e divertida.”
O inferno pandémico e o encanto de se fazer o que se gosta
Gravar uma série, ou uma mininovela, em Portugal tem sempre os seus apertos inerentes, mas nada se compara a pôr de pé 16 episódios durante uma pandemia mundial. As gravações de Pôr do Sol fizeram-se em 30 dias, mais coisa menos coisa, com uma paragem de duas semanas pelo meio devido ao bicho cujo nome já não é preciso enunciar. Somando a estes fatores um elenco com mais de 75 atores – “uma catrefada de gente” -, o ingrediente que, para Manuel Pureza, uniu todos os envolvidos foi o encanto de se estar ali. Ele, que é “o gajo mais cético do mundo”, acha que houve ali qualquer coisa.
Já para Gabriela Barros, a protagonista que dá vida às gémeas Matilde e Filipa, o segredo para não estarem “todos com ar de exaustos nas câmaras e meio loucos tem a ver com o dinamismo e a felicidade com que o Manuel [Pureza] trabalha e que influencia uma equipa inteira”. O elogio ao realizador do projeto não tem nada de cliché, garante a atriz ao Séries da TV, que, em Pôr do Sol, pôde realizar muitos sonhos enquanto profissional – como namorar à chuva e toda ensanguentada, cair em fardos de palha, transformar-se num cavalo no final de um genérico… Enfim, entre muitas outras coisas que só acompanhando diariamente nos novos episódios. Mas as palavras sobre um dos criadores da mininovela não se ficam por ali. “Para um projeto destes funcionar tinha de ter alguém muito apaixonado por isto e muito deslumbrado. Acho que o Manel é uma estirpe de realizadores muito diferentes com quem trabalhei. Tem uma maneira muito fresca e diferente de trabalhar.”
Da mesma opinião partilha Tiago Teotónio Pereira, um dos polícias da trama, o Ivo. O ator, que neste momento integra o elenco da novela A Serra, da SIC, gravou para a RTP durante os fins de semana. Apesar de ter sido uma altura mais complicada e onde “andava a mil”, “foi bom e levezinho”, muito devido à equipa de produção com quem é “ótimo de se trabalhar”. Levezinhas também prometem ser as cenas da banda Jesus Quisto, composta por quatro elementos – o vocalista Lourenço (Diogo Amaral), o guitarrista Diogo (Cristóvão Campos), a baixista Vera (Madalena Almeida) e o baterista Jimmy. O Séries da TV conversou com este último, interpretado por André Pardal, e com Igor Regalla, que dará vida a João, o novo vocalista caído de paraquedas. Mais ou menos…
“A banda é quase um cocktail molotov. Somos todos muito diferentes, mas muito unidos. Isso enriquece”, afirma André Pardal, revelando que o seu Jimmy é vegan, muito tranquilo e sempre na paz. O veganismo é seguido à risca pela personagem e, segundo consta, é melhor os espectadores ficarem atentos a um certo fato de tofu e beringela. Já João “está cheio de todos os clichés que o vocalista da banda tem”, uma vez que substitui a figura central do grupo em todos os sentidos. “Todas as personagens estão muito bem desenhadas e nós só nos divertimos à volta do universo de cada um”, afirma Igor Regalla.
Apesar de a banda não ser um foco da narrativa geral, está sempre lá. Serve como pano de fundo e é um momento de escape aos dramas que se desenrolam. Igor Regalla deixa o alerta: “Ouçam as letras das músicas. Não estão preparados. São mesmo outra coisa”. Apesar de ainda não estar confirmado o lançamento do disco, ambos os atores expressam o seu entusiasmo com a ideia e revelam que os espectadores podem esperar algumas participações da banda em programas da manhã. Por isso, se ouvires o nome Jesus Quisto por aí, não estranhes. É a nova banda juvenil da ficção portuguesa.
Pôr do Sol “tem muitos ingredientes que se vão estranhar e depois entranhar”, garante Gabriela Barros, além de “grandes bacoradas e alarvidades”, mas sempre tudo feito muito a sério e com muita dignidade. É esse o twist que este novo programa promete, todos os dias, às 21h, na RTP. É possível que os astros se tenham alinhado para trazer à televisão portuguesa algo nunca antes feito. Resta ver para descobrir e rir.
Beatriz Caetano