Temporada: 2
Episódios: 8
[Contém spoilers]
Quando See estreou, fui dos (poucos) que defendeu o seu direito de existir. Foi dos primeiros projetos da Apple TV+, tinha uma cinematografia incrível, um protagonista carismático e, acima de tudo, era diferente – 95% das personagens ser cega e a maneira como isso impacta a narrativa. Chegada a 2.ª temporada de See, será que as fragilidades da série foram exacerbadas ou esquecidas? Eu atrevo-me a dizer que quase não há prisma bom, nem visto nem ouvido…
A abundância de planos na natureza foram substituídos por dramazinhos em casas, o fascínio de ver as personagens a interagir com o mundo sem recorrer à visão perdeu o fascínio da novidade e tudo ficou mais pobre em termos de conteúdo. O argumento fraco fica mais evidente quando as personagens dialogam mais e quando parece não haver um caminho claro para onde se quer ir. Esta era uma história de sobrevivência, agora é, quanto muito, uma drama de corte. Não há absolutamente nenhum arco nesta temporada que tivesse um desenlace satisfatório, nenhum! Não sei se fui o único a ficar com esta impressão, mas dá a ideia que todo o elenco quer saltar deste barco.
Baba Voss (Jason Momoa) passou a temporada a querer reunir a família e, quando consegue, parte sem se saber para onde. Dave Batista deve ter achado giro fazer uma série, até já tinha as próteses de Dune colocadas, mas faz muito frio e a sua personagem acaba a morrer de maneira evidente, Tamacti Jun (Christian Camargo) disse que ainda ia pensar se amanhã vem trabalhar, Wren largas o seu grande amor porque tem de voltar para uma família que a serie não se deu ao trabalho de mostrar, Paris (Alfre Woodard), que prevê o que não se vê, morre estupidamente às mãos de Kane sem que se perceba sequer que ameaça representava para a ex-rainha, Toad tinha comboio às 7 para voltar para Warrior… o que sobra são as duas piores personagens (Haniwa e Kofun) e a pobre Maghra para lidar com uma rainha que ninguém quer matar porque… razões! Relembro que esta não é a serie onde há problemas em nascer crianças, é a série em que toda a gente é cega!
Para além disto, as incongruências (ou estupidez das situações) tornaram-se impossíveis de ignorar. A primeira temporada ofereceu-nos uma batalha na floresta que, apesar de mostrar gente cega a fazer pinturas de guerra na cara, ofereceu um cenário “lógico” de guerra. Já este finale oferece uma batalha em que nem eu, que consigo ver, distinguia os dois lados. E não há uma morte acidental no meio da confusão ou um golpe na atmosfera, é tudo com precisão cirúrgica! Mais, o melhor e mais temido exército do continente, que tem mapas detalhados de tudo, não sabia as condições geográficas dentro da antiga fortificação do inimigo. As tribos que não toleravam os Witchfinders, juntaram-se à batalha porque o Baba Voss é um gajo fixe e os Witchfinders, que lutam pela rainha com filhos dotados de visão, e com quem partilharam o campo de batalha, decidiram abandonar o exército quando o comandante não lhes deu nenhuma novidade. Enfim. Podia usar a frase “atirar-nos areia para os olhos”, mas não quero estar sempre a bater no ceguinho.
Tudo somado e dividido, torna a 2.ª temporada de See uma série completamente perdida a nível criativo e a perder a “olhos vistos” tudo o que a tornava tolerável. Quer seja pela existência de outros projetos futuros, cansaço criativo ou porque os atores não estão para lidar com o frio nas gravações, parece-me que haverá muitas novidades na terceira temporada em termos de elenco, com novas personagens e novos arcos. Isto é, quando a série voltar (e se voltar).
É certo que o dinheiro é muito importante na altura de produzir uma série, e a Apple tem a mania genética de que a sua maneira é a única maneira, mas nas séries não são assim. A primeira área à qual se tem de atirar dinheiro é a escrita, senão tudo cai como uma casa de dominós. Se o serviço quer ser mais do que um incentivo para comprar telemóveis, tem de fazer mais e melhor…
Personagem de Destaque:
Queen Kane (Sylvia Hoeks) – O seu arco da temporada é terrível e previsível, os seus gritos estridentes por vezes partem os vidros cá de casa, mas é das poucas que ao menos vai merecendo o ordenado.
Melhor Episódio:
Episódio 1 – Brothers and Sisters – Nenhum episódio foi especialmente bom ou memorável. Porque escolhi o primeiro e não o último? Pelas razões já evidenciadas em cima. Porquê o primeiro ao invés de qualquer um dos outros, porque aqui ainda nem a Paris previa o descalabro narrativo que aí vinha…
Vítor Rodrigues