A minissérie da Netflix Behind Her Eyes é a adaptação televisiva do romance de homónimo de 2017 de Sarah Pinborough, que andou nas bocas do mundo pelo final chocante e inesperado. A trama da história não podia ser mais simples: uma mãe solteira, Louise, vive uma vida rotineira, até que conhece David, casado com Adele, com quem irá começar um caso. Até aqui, nada de novo. O insólito de toda a história é que Louise cria uma amizade com a mulher de David, sabendo quem ela é.
Antes de começar a análise da série, queria só informar que a review contém spoilers importantes para a história e, se não viram a série ou estão a pensar vê-la, aconselhava-vos a não a ler antes disso, pois irá arruinar a experiência.
A série não começa nada bem, com um dos piores pilotos que já vi até hoje. Não há nenhum ponto de interesse em todo o episódio, as personagens parecem desinteressantes, os atores têm um desempenho mediano e a história não avança, tendo os primeiros 50 minutos da minissérie uma sequência de eventos monótonos, que não pressagiava nada de bom para os restantes cinco.
No segundo episódio, as coisas melhoraram um bocado, começando por nos apresentar à parte mais insólita da história que é, como já mencionei, a amizade que se cria entre Adele e Louise. No meio de personagens desinteressantes e sem capacidade de cativar o público, Adele consegue ser aquela que se destaca pela sua sinistralidade. Há qualquer coisa nela que não bate certo. Com movimentos robóticos, Adele deixa-nos a pensar se ela é realmente louca ou se há alguma coisa que nós não sabemos. Será que Adele sabe que o marido a engana com Louise e mesmo assim mantém a amizade? Que segundas intenções tem ela? É também neste episódio que somos apresentados às “portas”, um elemento importante em toda a série. Há cenas a acontecerem em ombreiras de portas, portas a abrirem-se e a fecharem-se, e há a tal misteriosa porta dos sonhos, pesadelos ou terrores noturnos, como lhe queiram chamar. Além das portas, há certos planos, filmados de cima, que indiciam que há alguma entidade em certas cenas e observá-los, como se fosse uma orbe ou um espírito. Este é também um elemento sinistro e assustador da história, mais um indicador de que se passa alguma coisa fora do normal.
Depois de sermos apresentados a Rob e ficarmos a conhecer as circunstâncias em que ele e Adele se conheceram, começamos a perceber que esta personagem não está ali só porque sim. Durante toda a série vamos tentando formar teorias com a informação que nos vão dando e quando descobrimos o que é que Adele consegue fazer, o caso muda de figura. Antes do grande final, uma das hipóteses que tinha posto era realmente aquela que se veio a revelar, a de que a Adele era o Rob, só não tinha percebido como é que isso tinha acontecido. O episódio 5 é revelador, pois assim que o Rob conhece o David, é óbvio que os olhos dele brilham (e, para mim, os do David também – daí ter pensado que eles podiam ter tido um caso). A amiga Adele deixou de ser a pessoa por quem o Rob sentia carinho e passou a ser a imagem daquilo que o Rob queria ser: viver numa grande casa e ter a relação apaixonada que Adele e David tinham, substituindo Adele.
Sempre pensei que David e Adele (ou melhor, Rob) estivessem em sintonia, pois durante a série parece que eles têm algo em comum a esconder. E, na realidade têm, só que David pensa que é uma coisa, quando na verdade é outra. Acho que há aqui um grande exagero, pois o medo que David transparece quando se fala na situação não me parece justificado. Ele escondeu um homicídio, é certo, e o relógio dele está junto ao corpo, mas aquilo que transparece é algo muito pior. Até porque, no fim, David mostra-se com vontade de contar o que realmente aconteceu. Para mim, esta atitude não faz sentido, tendo em conta a anterior.
Não sei bem o que pensar da personagem Louise, porque ela ama o filho e tem uma vida monótona e rotineira e vê em David uma forma de dar alguma vivacidade a essa vida, mas ao mesmo tempo está a fazê-lo sem escrúpulos, mantendo ao mesmo tempo uma relação de amizade com a mulher dele. E isto só para ter algum divertimento na sua vida. É certo que ela acaba por dizer que se sente mal, mas no início não. Uma cena que me ficou na cabeça foi a de quando o paciente de David entra no consultório e começa a insultar a Louise e a chamá-la “vaca” e “cabra” e depois de David o acalmar, ele volta e pede desculpa, porque ela não é nenhuma das duas. Mas não é mesmo? Aquilo que a Louise fez foi muito feio e nós queremos repudiá-la por isso. Mesmo sentindo-se como se sente, não havia razão para as suas atitudes. Mas, como já disse, nós temos pena dela e o final da sua personagem é revoltante.
Chegámos ao grande final e ficamos espantados com a capacidade de manipulação de Adele (ou melhor, Rob) ou, por outras palavras, com a sua mente brilhante. É preciso ser-se muito astuto e ter muita inteligência para ter posto tamanho plano em ação, conseguindo enganar tudo e todos e ainda ser bem-sucedida(o) no final. É revoltante o que aconteceu à Adele, é revoltante o que aconteceu à Louise, é revoltante o que aconteceu ao David e é ainda mais revoltante o que aconteceu ao Adam, o filho de Louise. Uma mente genial manipuladora conseguiu o que sempre quis, Rob ficou mais uma vez com o amor da sua vida, Adam ganhou uma nova mãe e David continua a não fazer ideia nenhuma do que se passa à sua volta.
O final da minissérie Behind Her Eyes é surreal, sinistro e assustador. A série é toda ela construída em volta deste final. É dele que o telespectador está à espera, enquanto assiste a cinco episódios de qualidade questionável. No fim, sentimo-nos enganados, mas sobretudo revoltados. Louise foi vítima da sua vontade por algo mais, mas no fundo tinha bom coração. O pobre Adam, que tinha uma mãe que o adorava, passou a ter um robô em seu lugar. E David teve o final feliz que desejava, casando com a “mulher” que amava. Uma história com potencial, que ficou aquém das expectativas, com personagens pouco interessantes e com um dos finais mais mirabolantes que já se assistiu no mundo das séries. Se vale a pena ver a série só pelo final? Eu diria que não. Mas a verdade é que o final surpreende e é sem dúvida o ponto alto da série.
Melhor episódio:
Episódio 6 – “Behind Her Eyes” – Como já referi, a Behind Her Eyes é uma minissérie que vive para o final, é aqui que percebemos como é que todos os acontecimentos dos episódios anteriores levaram ao desfecho surpreendente e inesperado da minissérie.
Personagem de destaque:
Rob (Robert Aramayio/Eve Hawson) – Durante a maior parte da série pensamos que estamos a ver Adele, mas a verdade é que é Rob. A forma manipuladora com que Rob nos guia – ao telespectador e às personagens – durante a trama toda é o que faz a série avançar, é o ponto de interesse da narrativa e sem ele esta história não seria contada.