Muitos são os momentos de interpretação nas séries que merecem todo o reconhecimento, sendo portanto quase impossível escrever somente um artigo sobre isso. Assim sendo, e como ficou prometido naquela que é a primeira parte desta crónica, publicada na semana passada, aqui ficam contemplados mais alguns momentos, de diferentes séries, que merecem todo o destaque.
Louis confronta Jessica sobre o facto de Mike ser uma fraude – 04×10 – Suits: A nossa relação com Louis nem sempre foi a melhor, sendo que é maioritariamente marcada por altos e baixos. Ora gosta-se e consegue-se entender muito bem as atitudes que tomava; ora reprova-se totalmente as suas atitudes e, consequentemente, acaba-se por desgostar dele também. Raramente havia um meio termo, o que se deve ao facto de o próprio Louis não ser um personagem muito estável. De qualquer das formas, a verdade é que chegou a haver certos momentos em que não dava mesmo para o tolerar, por mais que nos tentássemos colocar no lugar dele. No entanto, e ainda que muitas das suas atitudes nos tenham irritado, particularmente nesta situação (embora ele tivesse a sua razão), a atuação de Rick Hoffman prende-nos a atenção. Mesmo não tendo gostado da forma como Louis lidou com toda a situação no momento em que confronta Jessica e a acusa de ser uma mentirosa e uma hipócrita só dava para reparar na atuação de Hoffman. É certo que Louis sempre foi um personagem muito expressivo e de vez em quando tinha uma reação um pouco mais extrema, mas nenhuma tinha chegado a este patamar. Consegue-se sentir muito bem toda a raiva do personagem, mas para além disso também se consegue ver o sofrimento pelo qual Louis está a passar. E mesmo não concordando com as suas atitudes, é impossível ficar indiferente aos sentimentos deste e não nos deixarmos absorver pelo talento de Hoffman.
Charles e Diana discutem por causa da notoriedade dela e o quanto isso afeta Camilla – 04×10 – The Crown: À semelhança de Louis, a nossa relação com Charles também nem sempre foi a melhor. Na 3.ª temporada chegámos a sentir pena dele e até a entender algumas das suas atitudes; contudo, a 4.ª temporada conseguiu eliminar qualquer tipo de sentimento bom que pudéssemos nutrir por ele. Não querendo, contudo, dizer que ele é o culpado de todas as coisas negativas que nos vão sendo mostradas na 4.ª temporada, mas chega a um momento em que se torna impossível compreender e/ou concordar com as suas atitudes, por mais que nos tentemos colocar no seu lugar, sendo este momento um excelente exemplo disso. Ainda que seja difícil controlar os sentimentos, principalmente quando se trata de amor, o certo é que a Princesa Diana não merecia ter sido tratada da forma como muitas das vezes foi, muito menos neste momento, que foi impulsionado pelo simples facto de Camilla saber que não conseguia competir com a popularidade da Princesa. No entanto, apesar desta ser uma excelente cena, especialmente a nível narrativo (nada a que The Crown já não nos tivesse habituado), e de ter mexido bastante connosco, dada a situação e o contexto, a verdade é que o que acabou por nos chamar mais à atenção foi mesmo a atuação esplêndida de Josh O’Connor, ainda que Emma Corrin também tenha estado muito bem. É certo que O’Connor já tinha mostrado que era bom ator; aliás, The Crown tem um extenso reportório de bons atores, mas neste momento em específico, a atuação dele sobressai, a ponto de nos fazer abstrair da cena em si e de quaisquer sentimentos menos positivos em relação a Charles.
Shaun desabafa com Dr. Glassman e acaba por lhe dar um abraço – 03×11 – The Good Doctor: Desde o início da série que a atuação de Freddie Highmore como Shaun, um médico cirurgião autista, nos fascinou e ficámos bastante admiradas com o quão realista a sua interpretação é. Se considerarmos que representar, qualquer que seja o personagem, já deve ser bastante desafiante, interpretar de forma tão realista uma personagem com autismo deve ser bem mais. No entanto, se a atuação de Highmore, por alguma razão desconhecida, ainda não nos tinha chamado a atenção, The Good Doctor mudou isso, com toda a certeza. Especialmente nesta cena. Foi simplesmente impressionante! O momento em si já é extremamente emotivo e por isso mesmo exige uma boa atuação, mas Highmore consegue ser ainda melhor do que o esperado, particularmente no momento em que a sua personagem, Shaun, abraça o Dr. Glassman. Nunca é demais salientar o quão talentoso ele consegue ser.
Serena lida com o espancamento a que foi sujeita – 02×08 – The Handmaid’s Tale: Provavelmente muitos pensam que Serena teve aquilo que merecia e que umas vergastadas com o cinto não são nada comparado àquilo que as handmaids passam. No entanto, a verdade é que Serena atentou algumas vezes contra o regime de Gilead e este em particular custou-lhe um encontro com o cinto de Fred. Nada anula o mal que Serena fez, mas mostra-nos que ela tem dois lados. A maioria das vezes acaba é por ser o lado errado a levar a melhor. Provavelmente dava para escrever uma tese de mestrado sobre Serena, mas esta cena, extraordinariamente interpretada por Yvonne Strahovski, que já merecia um Emmy ou um Globo de Ouro, não precisa de tanto. Serena foi espancada por Fred depois de ter cometido aquilo que, em Gilead, para uma mulher, constitui crimes graves: ler, escrever, pensar. Já no quarto, Serena tira a roupa com dificuldade devido ao espancamento e vemos as marcas deixadas pelo cinto. A iluminação da cena é escassa, o que combina na perfeição com o ambiente sufocante de Gilead, mas não precisamos de ver muito, pois o sofrimento de Serena faz-se ouvir. Não apenas pela dor física, mas também pelo estupor que o marido é, incapaz de esquecer uma ‘pequena’ infração quando ele foi responsável por tantas. No entanto, Fred quer mostrar que é ele quem manda naquela casa, que aquele é o seu domínio. A cena fica ainda melhor quando June aparece do lado de lá da porta para se certificar que Serena está bem. Diga-se que June é uma pessoa muito melhor do que a maioria seria no lugar dela, por se preocupar com a mulher que lhe inferniza a vida. Serena nunca seria capaz de admitir que precisa de alguma coisa, nunca permitiria mostrar-se num momento de fragilidade, mas a bondade de June não lhe é indiferente. No entanto, Serena faz os possíveis por se recompor e adota a persona de Mrs. Waterford por uns segundos para mandar June embora, enquanto tenta abafar os sons do seu próprio choro. Elisabeth Moss, como sempre, também é fantástica, mas Yvonne é a verdadeira protagonista deste momento, conseguindo espelhar todos os sentimentos pelos quais a sua personagem está a passar e fazendo-nos sentir empatia por uma pessoa que talvez não seja a maior merecedora dela.
Heinrich conta a Hortense as atrocidades que cometeu – 04×10 – Un Village Français: Não é que se possa esperar algo diferente de um nazi, mas este nível de sadismo não deixa de ser chocante, principalmente se tivermos em conta o contexto. Hortense é francesa e Heinrich foi um dos alemães responsáveis pela ocupação da aldeia dela, mas são amantes, embora numa relação muito unilateral em que Hortense dá muito mais do que recebe. Depois de ter sido enviado para a Rússia, Heinrich está de volta a França e a forma como, durante um jantar, conta à amante todas as atrocidades cometidas por ele é horrível. A sério, quem é que faz isso? Heinrich, pois claro. E a sua narrativa é completamente desprovida de emoção, como se o seu trabalho fosse corriqueiro como o de um escriturário. Há até, claramente, uma certa satisfação e prazer em chocar porque ele sabe que, por muito desligada que Hortense possa ser, nunca aquilo lhe será indiferente. Talvez haja uma certa intenção de lhe mostrar verdadeiramente quem é, mas com ele nunca se sabe. Aquela interrupção da história macabra para Heinrich pedir champanhe ao empregado de mesa e depois o provar são outros pormenores arrepiantes, porque não devia ser possível alguém fazer coisas tão normais no intervalo de uma conversa daquelas. Richard Sammel, que é alemão, é um ator extraordinário para dar vida a esta cena da forma como o faz. No entanto, à medida que tudo se desenrola, vale também a pena prestar atenção ao desempenho de Audrey Fleurot. Só precisamos de ver a expressão de Hortense para perceber que ela tem noção do monstro que está à sua frente. E como é que Heinrich se atreve a pensar que depois de tudo aquilo Hortense vai aceitar ir para casa com ele? É justo dizer que 90% das decisões de Hortense são questionáveis, mas aqui o bom senso – ou um sentido de humanidade do qual ela não é desprovida – impera. Não é fácil para alguém que partilhe o ecrã com Audrey brilhar, mas a verdade é que Sammel consegue essa proeza nesta cena.
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