[Contém spoilers]
Ainda sem data marcada para a estreia da 2.ª temporada de Euphoria (que eu queria já para amanhã), fomos presenteados pela HBO com Trouble Don’t Last Always, o primeiro episódio especial da série. Existirá um segundo episódio, que pode ser considerado uma segunda parte, ainda sem data de estreia, sendo que estes dois episódios especiais farão ligação entre a 1.ª temporada e a segunda. Assim, nesta primeira parte vemos Rue a celebrar o Natal, juntamente com Ali (Colman Domingo), após ter sido deixada na estação de comboio por Jules (Hunter Schafer), o amor da sua vida, e de ter tido, como consequência, uma recaída.
Euphoria sempre nos foi mostrando ao longo dos episódios que conseguia, de forma magnífica, abordar temas bastante pesados, mas igualmente importantes, apresentando a realidade pura e crua, tal e qual como ela é. Mas mais do que os abordar, é necessário saber fazê-lo. E eu sempre achei que Euphoria, ao contrário, por exemplo, de 13 Reasons Why, conseguia fazê-lo de forma esplêndida. Para além disso, apostava também num argumento brilhante (tanto é que a primeira coisa que me chamou a atenção na série, logo nos minutos iniciais, foi o argumento), numa cinematografia breathtaking e em atuações extraordinárias. E se em algum ínfimo momento duvidamos de Euphoria, com este episódio especial tivemos a prova de que a série sabe muito bem o que está a fazer. As minhas expectativas para este episódio estavam muito elevadas, uma vez que se tratava de Euphoria, mas não estava preparada para o que aí vinha e, sinceramente, depois de ver e rever o episódio, a minha cabeça continua a mil e sinto que, independentemente do que escreva, nada vai fazer jus a Trouble Don’t Last Always.
Foram mais de 50 minutos de uma montanha russa de sentimentos, tendo por base uma das melhores conversas que alguma vez já tive a oportunidade de ver, sendo que através desta se conseguiu abordar, de forma excecional, diversos temas muito importantes, desde o suicídio, a religião, lidar com a perda de um ente querido, ou até mesmo o facto de considerarmos que não somos merecedores de perdão ou que tudo o que nos acontece é porque merecemos por não termos sido boas pessoas.
E se no final da 1.ª temporada tivemos a nossa esperança despedaçada por causa da recaída de Rue, atrevo-me a dizer que este episódio conseguiu restaurar essa esperança. Porque mais do que nos mostrar a luta dela, mostrou-nos como é possível vencê-la. E ninguém melhor para ajudar Rue do que Ali, pois tudo o que Rue passou ou está a passar, Ali também passou e até pior. E ele não esteve a passar paninhos quentes na Rue, muito pelo contrário, foi honesto e não a poupou à realidade, o que me deixou bastante satisfeita, pois acho que muitas vezes tende-se a “romantizar” demasiado os problemas. Outra coisa que também me deixou satisfeita foi a sinceridade de Rue, que não camuflou os sentimentos e/ou pensamentos dela, possibilitando assim a Ali a oportunidade para a ajudar. Porque se assim não fosse, se Rue continuasse com o diálogo inicial dela, ainda que se percebesse de longe que era treta, e não expusesse os seus sentimentos e o que lhe ia na mente, Ali não iria conseguir ajudar grande coisa. E isso também é algo a ter em conta, pois depende de nós dar o primeiro passo para nos ajudarmos, e fico bastante contente por Rue ter dado esse passo.
Ainda que os temas abordados estivessem relacionados com o vício da droga, acho que não é preciso passar por isso para conseguir entender ou até mesmo nos identificarmos com Rue. E esse é outro excelente ponto de Euphoria, porque apesar de se focar em algo tão específico, especialmente neste episódio, a forma como eles abordaram esses (e outros) tópicos, permitiu que nos conseguíssemos rever, nem que seja numa pequena questão. E isso faz com que também nós estejamos a receber, de forma indireta, algum tipo de conselho e/ou ensinamento. Isto é, a maneira como Ali expõe as coisas para Rue e lhe “abre os olhos” não servem só para Rue, mas para nós espectadores também.
E não foi só Ali quem deu bons conselhos a Rue, mas também tivemos o testemunho, ainda que curto, de Miss Marsha (Marsha Gambles), que acrescentou ainda mais sabedoria ao diálogo que Ali e Rue estavam a ter, e também dá contexto ao título deste episódio especial. Nesse diálogo, Miss Marsha refere três coisas muito importantes: primeiro, é que nem tudo o que é bom para nós é o melhor para nós; segundo, e quando questionada por Ali sobre o que se dizia a uma pessoa que não tem esperança, ela refere um ensinamento da avó que só entendeu quando quis ficar sóbria, que era: os problemas não duram para sempre; e, por último, se queremos mudar, isso só depende de nós.
Podem parecer só palavras bonitas, mas têm um fundo de verdade. E têm ainda mais impacto, como todas as palavras de Ali, porque vêm de alguém que sabe do que fala. Mas como já referi anteriormente, estes conselhos tanto dão para o problema com as drogas, como para todos os outros problemas com que todos nós temos que lidar. O foco do episódio até pode ser a Rue, mas o público-alvo somos todos nós, não só como espectadores, mas como pessoas que enfrentamos muitos desses problemas.
Cármen Silva