Que atire a primeira pedra quem nunca se sentiu insatisfeito com o tratamento que foi dado a algumas partes do enredo das séries que acompanha. Não se trata de histórias que terminaram de forma diferente daquela que gostávamos, mas sim que não foram devidamente exploradas e que tinham potencial para muito mais do que aquilo a que tiveram direito. É certo que não é possível que todos os personagens/relações/tramas tenham o mesmo tempo de antena, mas é justo pedir que quando uma história tem um começo, que tenha o devido fim e não que se fique apenas pelo meio. É de alguns dos enredos que considero mais subaproveitados das séries que vou falar aqui hoje.
A transexualidade de Parker (Grey’s Anatomy): Se há série em que o elenco é grande, essa série é Grey’s Anatomy. Nos últimos anos, se há coisa de que me queixo é da quantidade de tempo de ecrã que determinados personagens têm, em detrimento de outros. Ora, a série começou com um grupo de cinco internos que foram navegando na hierarquia cirúrgica do hospital. Os internos tornaram-se residentes, depois attendings e alguns deles chegaram a chefes de departamento da sua especialidade. Já os vimos treinar os seus próprios internos, mas depois desses vimos ainda a chegada de mais uma leva deles ao hospital. Para mal dos meus pecados, esses internos não se tornaram apenas figurantes, sendo que Levi Schmitt teve imenso destaque nos últimos tempos. Levi é um personagem simpático e homossexual e apesar de a série já ter tido um casal gay de grande relevância, nunca tinha tido um no masculino. É positivo para dar visibilidade à comunidade LGBTQ+, mas fica a sensação de que Levi e a sua relação com Nico não trazem nada de muito original ao mundo das séries no geral. Sinto que Parker poderia trazer-nos histórias muito mais interessantes. Não sabemos muito sobre ele além do facto de que esteve no exército e é transgénero. A parte do exército não me interessa muito, até porque Owen e Teddy também foram militares, mas acho que uma componente mais pessoal da vida de Parker podia proporcionar-nos algumas boas histórias. Quando ficámos a saber que ele tinha hackeado o DMV (o equivalente ao nosso IMTT) para mudar o sexo na carta de condução de feminino para masculino fiquei imediatamente com vontade de saber mais. No entanto, despejaram-nos simplesmente aquela informação para nunca mais abordarem nada de pessoal acerca do personagem.
A relação de Maleficent com a filha Lily (Once Upon a Time): Nenhuma outra série teve a capacidade de me fazer apaixonar tanto pelas suas vilãs como Once Upon a Time. Evil Queen, Wicked Witch e Maleficent aparecem-nos como personagens de quem não é suposto gostarmos, pelo menos no início (embora comigo, em relação a Regina, tenha sido amor à primeira vista), mas cujo desenvolvimento nos faz vê-las a um prisma muito diferente. Regina e Zelena tiveram temporadas inteiras para verem as suas histórias contadas, mas o mesmo não aconteceu com Maleficent. A personagem, maravilhosamente interpretada por Kristin Bauer van Straten, sofreu uma grande perda às mãos de Snow White e Charming. O casal roubou o ovo onde o bebé (sim, porque Maleficent pode assumir a forma de dragão e os dragões põem ovos) estava a ser gerado e depois tudo o que tinha para correr mal correu, com Ursula e Cruella também aqui metidas ao barulho. Resultado, Maleficent perdeu a filha e Lily, apesar de ter vindo a ser adotada, sentia que não pertencia à família. Assim cresceu, assim se transformou numa mulher. Só depois da segunda maldição é que Maleficent teve a oportunidade de se reunir com a filha. Vinte e muitos anos tinham sido perdidos, Maleficent e Lily foram grandes danos colaterais dos erros cometidos por outros, mas finalmente têm uma oportunidade de estabelecer uma relação. Nós espectadores é que não temos a possibilidade de acompanhar nada desse construir da relação e teria sido bom ver, pelo menos, um vislumbre dos muros de Lily a serem derrubados pelo amor da mãe que sempre a quis. Ver este lado mais vulnerável de Maleficent, despida da sua capa de vilã, foi também imensamente interessante. Once Upon a Time é uma série que humaniza os seus vilões e que mostra que o mal não existe simplesmente, surge sim das circunstâncias.
A relação entre Sara e Jacob (Prison Break: Resurrection): Não estou aqui para dizer que o revival de Prison Break nunca devia ter acontecido, embora essa seja uma grande verdade, mas podia ter sido menos mau se não tivessem recorrido a todos os clichés fracos que podem existir numa série. O facto de Michael afinal estar vivo é mau o suficiente, mas compreendo que era a única forma de a série regressar do mundo dos mortos. Também não gostei muito da ideia de Jacob, o marido de Sara, ser o vilão. Isso fez com que fosse demasiado fácil para a própria Sara, mas também para nós, audiência no geral, escolher o lado de Michael. Eu adorei ver Michael e Sara enquanto casal na jornada original da série, mas também dei por mim várias vezes a pensar que eles mal se conheciam e que nunca tinham tido a oportunidade de levar uma vida normal, juntos, como a maioria das pessoas. Ora, por outro lado, Sara e Jacob tiveram uma vida em conjunto durante alguns anos e ele criou com ela o filho que tivera com Michael. Acho que não se pode fechar os olhos a uma coisa dessas. Certo, é suposto que Michael e Sara sejam o grande amor da vida um do outro, mas ela viveu anos a pensar que ele estava morto e teve de seguir em frente. Se Jacob não fosse o mau da fita que revelou ser, não poderia ser muito fácil para Sara saltar para os braços de Michael. Ela ficaria num dilema entre o grande amor que julgava morto e o homem que tinha amado e que a amara e ao filho nos últimos anos. No entanto, a série fez uma opção preguiçosa ao tornar tudo mais fácil para todos os envolvidos. No entanto, mesmo antes de sabermos que Jacob era Poseidon, acho que este revival não foi competente o suficiente a fazer-nos gostar do personagem e a mostrar a sua dinâmica familiar com Sara e o pequeno Mike. O vilão acabou por ser rapidamente derrotado, Michael e Sara tiveram o final feliz que a 4.ª temporada não lhes tinha dado, mas como grande fã que fui da série, senti-me completamente defraudada. O Michael que conhecemos teria arranjado uma forma de dar a saber a Sara que estava vivo.
O cancro de Stef (The Fosters): Esta série começou como um drama familiar, mas perdeu-se um bocado nas temporadas mais à frente, gastando muito tempo (demasiado) com problemas adolescentes que acabaram por me tirar a vontade de continuar a ver The Fosters. Na 3.ª temporada a série ainda ia bem e deu-nos uma storyline em que Stef tem cancro. Havia um grande potencial, pois a série era forte sempre que se dedicava a explorar problemas familiares e a centrar-se nas dinâmicas entre os seus membros, mas a verdade é que esta storyline foi rapidamente descartada. Tivemos quatro ou cinco episódios dedicados a esta história, desde o diagnóstico até à cirurgia e pronto, o problema é resolvido tão rapidamente quanto apareceu. Não há dúvida de que foi uma storyline interessante, mas poderia perfeitamente ter ocupado um espaço maior na temporada. Não vimos nada da recuperação de Stef pós-cirurgia e, se, por um lado, vimos o suficiente de Lena e da mãe de Stef a lidarem com o diagnóstico, o mesmo não se pode dizer acerca dos miúdos. Tivemos apenas aquela cena em que lhes é revelado que a mãe tem cancro e depois, no mesmo episódio, vemo-los a reagir a essa notícia de diferentes formas, mas foi tudo.
A relação entre Maya e Diane (The Good Fight): Diane transita de The Good Wife para The Good Fight, um spin-off com uma identidade bem diferente do da série-mãe. Aqui, entre outras personagens, somos apresentados a Maia, a afilhada de Diane. O pai dela foi o culpado de um esquema fraudulento que deixou Diane sem as poupanças de uma vida e o nome de Maia, que está a começar a carreira como advogada, na lama. Cada uma das personagens traça o seu próprio caminho, em fases muito diferentes da vida pessoal e profissional, mas dada a sua relação familiar e o facto de trabalharem na mesma firma, seria de esperar que tivessem partilhado mais cenas juntas e que tivéssemos visto um pouco da sua dinâmica e até, quem sabe, Diane a ser uma espécie de mentora para a afilhada. Com a saída de Rose Leslie da série, qualquer possibilidade de isso acontecer se esfumou, mas penso que foi uma perda para a série não ter havido esse aproveitamento. Ainda para mais porque vimos sempre um lado mais profissional da vida de Diane e seria interessante conhecermos um pouco das suas relações pessoais.
O regresso de Emily a uma vida de liberdade (The Handmaid’s Tale): Emily teve um dos melhores arcos de história em The Handmaid’s Tale, especialmente nos últimos tempos, mas a verdade é que desde que chegou ao Canadá praticamente deixámos de a ver. Em Gilead, Emily foi sujeita a todo o tipo de violência e abusos, mas lutou contra o regime que tanto lhe tirou e conseguiu escapar, levando com ela a menina de June. Emily foi uma verdadeira heroína, mas não recuperou a vida dela com um estalar de dedos só porque agora pode voltar a viver em liberdade. Tudo o que vimos foi o reencontro dela com a mulher e o filho, mas acho que merecíamos ter tido a oportunidade de acompanhar a jornada de Emily nesta nova fase da sua vida. Pelo menos, eu tive uma grande vontade de descobrir se Emily e Sylvia conseguiriam voltar a uma espécie de normalidade enquanto casal ou se, por outro lado, todos aqueles anos e as provações passadas não seriam capazes de sarar. Ver Emily a construir de novo uma relação com o filho também teria sido delicioso porque, pelo pouco que se viu, Oliver parece um anjo de menino. Espero que com a chegada de todas aquelas crianças a Gilead, o foco da história se concentre um pouco mais nas personagens que estão no Canadá e que, na 4.ª temporada, possamos finalmente saber mais sobre o que se passa na vida de Emily. Senti que a série nos fez preocupar e gostar genuinamente dela e que depois quase a descartou. É certo que havia muita coisa a acontecer, mas a personagem merecia mais, muito mais.