A 1.ª temporada de A Espia chegou aos pequenos ecrãs portugueses com a promessa de ser uma das melhores, se não mesmo a melhor aposta televisiva nacional de sempre. Com um elenco de luxo aliado a uma história cativante e a cenários e caracterizações dignos de nomeações aos mais prestigiados prémios, esta minissérie cumpriu o que tinha deixado no ar. Se é a melhor produção televisiva nacional até ao momento? Posso afirmar que sim.
Não há dúvida que os nomes sonantes de Daniela Ruah, Diogo Morgado e Maria João Bastos juntos no mesmo projeto chamaram a atenção de muita gente e contribuíram para que a estreia desta série tenha tido a melhor audiência de entre as produções de ficção nacional estreadas pela RTP nos últimos três anos. Também eu fui levada nessa onda, mas fiquei pela história que se apresentava e, especialmente, confesso, pelo visual.
À partida, a narrativa até pode parecer comum, algo que já vimos contado noutros lados – uma mulher de boas famílias que envereda por maus caminhos e ações ilegais, perdendo-se de amores pela pessoa errada. Contudo, quando se adiciona a isto o fator “baseado em acontecimento reais”, o caso muda de figura. A Espia conta uma parte verdadeira da História portuguesa desconhecida pela maioria. Existiram realmente redes de espionagem em Portugal durante a II Guerra Mundial e, do pouco que sei, a série fez um trabalho brilhante a retratar esta realidade.
Olhando agora para as personagens em concreto, sei que um dos pontos mais criticados na série são os sotaques e só posso concordar. Eram pouco convincentes e tornavam as cenas um tanto ou quanto cringy, especialmente as personagens inglesas quando falavam a suposta língua mãe, o inglês, e o sotaque britânico era inexistente. Quanto ao alemão não posso opinar, uma vez que não falo a língua, mas sei de fonte segura que também não era dos melhores. Algo que teria feito todo o sentido e teria dado realmente outro toque à série seria, nas cenas em que personagens estrangeiras estão juntas a falar, essas conversas decorrerem inteiramente nas respetivas línguas nativas.
Outro ponto negativo que encontro na série são as ligações confusas entre todas as personagens. Nos primeiros episódios as relações ainda não estão bem estabelecidas e é difícil conectar caras com nomes, países e lados da guerra. Revi os três primeiros episódios e essas confusões dissiparam-se; percebi que eram retratadas duas redes de espionagem, uma inglesa, da Shell, e outra alemã, e consegui também encaixar as respetivas personagens nos lados que defendiam. Ainda assim, se não tivesse revisto, provavelmente a narrativa teria sido mais confusa.
E para finalizar o lado menos bom: os flashbacks e flashforwards também não ficaram claros. Só passado algum tempo de ver essas cenas, mais à frente no episódio, é que processava que eram uma coisa ou outra. Normalmente, há algum indicativo visual que nos permite situar em termos temporais, mas aqui não houve essa adição. Não sei se por escolha de realização ou por acharem que era percetível, mas a verdade é que não o era, pelo menos no imediato.
Ao que não se pode apontar nenhuma falha é às caracterizações e cenários. Foi uma das coisas que me prendeu logo desde o primeiro minuto: o detalhe das roupas, dos penteados, dos acessórios, os maneirismos, as casas, carros, cafés e bares, a sede da polícia, a máquina fotográfica específica apenas para documentos… Tudo daquela época está lá e isso tem de ser louvado. Se deixarmos de lado as inconsistências dos sotaques, também as construções das personagens estão incríveis, não só em termos de guião como de interpretação. Se nos colocarmos nos anos 40, em Portugal, num contexto de ditadura e de guerra, a forma como estas personagens agem encaixa-se na perfeição e isso deve-se ao trabalho dos atores e de todos os outros que nunca chegámos a saber que estiveram envolvidos.
A Espia é assim, apesar das imperfeições, uma grande produção nacional merecedora de toda a atenção que está a receber. Lentamente começamos a ver uma maior aposta neste lado do entretenimento (já não era sem tempo!) e o caminho para o reconhecimento além-fronteiras a ser construído. À semelhança de Auga Seca e Vidago Palace, também A Espia merece estar no catálogo de um streamer (sem retirar qualquer mérito à RTP Play, que tem sido uma aliada preciosa nestas conquistas). Poderá esta ser a primeira série portuguesa na Netflix?
Personagem de Destaque:
Paulo Santos (Luís Filipe Eusébio) – Paulo Santos, o agente da PVDE, é uma personagem secundária nesta história, mas que se destaca pelas várias camadas que vai apresentando ao longo dos episódios. Se ao início parece ser apenas o mauzão da Polícia de Estado, que gosta de aterrorizar as pessoas e descarregar as frustrações em inocentes, no final percebemos que há muito mais nele, inclusive muitas contradições entre aquilo em que acredita e aquilo que é. A interpretação de Luís Filipe Eusébio dá consistência a esta impressão que temos de Paulo Santos, fazendo transparecer para o espectador as emoções que consomem o agente. Se a série tivesse mais episódios ou, quem sabe, uma 2.ª temporada que dê continuação às histórias aqui apresentadas, tenho a certeza que Paulo se tornaria num dos favoritos dos espectadores.
Melhor Episódio:
Episódio 8 – É no último episódio que percebemos tudo o que nos foi mostrado nos anteriores. As narrativas fecham-se (outras deixam no ar a possibilidade de continuação) e terminamos com um excelente plot twist que, confesso, não antevi, mas que fez todo o sentido. Chegamos ao fim com a sensação de que podíamos ter visto mais, não apenas em quantidade de episódios, mas de cenas e de histórias. Gostava de ter conhecido melhor algumas personagens, ver mais do funcionamento das redes de espionagem, conhecer os trabalhadores das minas de volfrâmio, tão importante nesta altura… Enfim, ter uma visão um pouco mais aprofundada de alguns aspetos que a série toca apenas ao de leve. Talvez fique para a 2.ª temporada.
Beatriz Caetano