Ora, este até teria sido um bom tema para o Halloween, não? O que não falta na ficção são personagens assustadores, mas, num nível acima, estão aqueles que são perturbadores, capazes de inspirar muito mais do que apenas medo físico. Entram na mente – não necessariamente de forma literal – daqueles que os rodeiam e são impossíveis de esquecer. Nem todos são vilões, mas estes dez foram todos capazes de me arrepiar, de uma forma ou de outra.
Adora Crellin [Sharp Objects]: Mesmo antes de saber que Adora é uma assassina, já era evidente que havia algo de muito errado com a personagem. Já tinha lido o livro e então sabia o que podia esperar dela, mas estava longe de imaginar que Patricia Clarkson conseguiria fazer da sua Adora alguém tão incrivelmente perturbadora. Não teria medo de estar enfiada com ela numa sala, mas não gostaria de ter de o fazer. Há uma aura muito estranha em Adora. A sua afabilidade e fachada de mãe carinhosa podem ser credíveis, mas há qualquer coisa nela que me deixa extremamente desconfortável desde o início. A forma como ela recebe Camille, a filha mais velha, quando esta chega a Wind Gap é um dos primeiros sinais de que há algo de errado naquela mulher. A sua relação com Camille pode ser terrível, o último tipo de relação que uma rapariga quer ter com a mãe, mas é com Amma que as coisas ficam verdadeiramente estranhas. Mais do que isso, até. Amma pode ser ainda novinha, mas o modo como esta se infantiliza diante da mãe, a maneira como parece deixar de ser à frente dela tudo aquilo que é… Não é preciso fazer-se isso com uma boa mãe. Depois, é também por demais evidente que Adora é o tipo de pessoa que gosta de se fazer de vítima e de mártir quando é tudo menos isso. O facto de ter sido ela a responsável pela morte de Marian e estar a tentar fazer o mesmo com Amma só ajuda a torná-la ainda mais perturbadora, mas acho que o pior de tudo é mesmo o facto de ela desprezar Camille por esta ser a única das suas filhas que alguma vez foi capaz de lhe fazer frente. Camille podia não saber o que a mãe tinha feito, mas acho que havia ali um grande instinto de que tinha de se proteger da progenitora. Se assim não fosse, provavelmente também estaria morta e nunca teria podido salvar a irmã mais nova. Adora merece apodrecer na cadeia e viver com o peso de que toda a cidade sabe o que ela fez. Só Deus sabe o quanto as aparências importam para ela e agora a máscara caiu.
Arthur Arden [American Horror Story: Asylum]: Quando pensei em escrever esta crónica, foi de Arthur que me lembrei em primeiro lugar. Dar-lhe-ia o prémio de personagem mais perturbador e assustador do mundo das séries sem qualquer espécie de dúvida. Para começar, ele é o oposto daquilo que é, por definição, a profissão de médico. É suposto os médicos curarem e toda uma séries de coisas a que se comprometem quando fazem o juramento de Hipócrates. No entanto, chamar carniceiro a Arden é mais adequado do que chamar-lhe médico. Ela faz experiências horríveis nos seus pacientes, dignas dos piores filmes de terror. Melhor dizendo, dignas de um nazi. As loucuras cometidas por ele fazem em tudo lembrar as perpetradas por Josef Mengele, o infame médico responsável por verdadeiras atrocidades cometidas sobre prisioneiros de campos de concentração. Arden é dotado de uma arrogância horrível e de um desprezo incrível pela vida humana e acha que vai ser o responsável por um novo estádio na evolução da espécie. Tudo aquilo que acaba por conquistar é um lugar cimeiro na lista de lunáticos perigosos que habitam Briarcliff. Bem, a descoberta de que era um verdadeiro nazi pode ser surpreendente por um lado, mas por outro só ajuda a consolidar a ideia do quão execrável é.
Fred Waterford [The Handmaid’s Tale]: Desde o início que achei que podíamos fazer um grande paralelismo entre a República de Gilead de The Handmaid’s Tale e a Alemanha nazi de Hitler. Ambas nasceram de ideias perigosas e apoiaram-se em ideais de criação de um mundo melhor. Em ambas, as pessoas pareceram ter sido cegas em relação àquilo que estava a acontecer e só quando já era tarde demais acordaram. É um erro legítimo, porque acho que deve ser muito difícil – embora o mundo tenha a obrigação de deixar de ser tão ingénuo – de imaginar dois mundos tão terríveis. Felizmente, Gilead é fictícia! Fred é um dos responsáveis pelo funcionamento da grande e terrível engrenagem desta máquina que silenciou a voz das mulheres – e de praticamente todos aqueles que não têm o título de Comandante colado ao nome – e as transformou em escravas sexuais. O que é mais frustrante acerca de Fred é que ele – não apenas ele, mas os Comandantes em geral – é extremamente hipócrita. Antes de Gilead surgir, é Serena quem vemos ter ideias, ser politicamente ativa, e ele parece limitar-se a ser o tipo que a segue. Depois, mostra-se perfeitamente confortável no seu papel de poder e no de silenciamento da sua mulher e das outras no geral. No entanto, concede pequenas liberdades que constituem crime e quando a sua própria mulher tem a ousadia de pisar o risco, ele pune-a e deixa que seja punida por terceiros. Fred tornou-se o tipo de homem que gosta de humilhar os outros só porque pode e comporta-se como uma criança que tem que ter aquilo que quer. Por aquilo que vimos dele em flashbacks, não parecia ter um mau fundo, mas é a prova de que homens comuns podem tornar-se o pior dos monstros quando o mundo enlouquece. A única coisa que me consola é ver que vai ser julgado como o criminoso de guerra que é, por ser alguém que cometeu crimes contra a humanidade. Serena pode não ser grande peça também, mas dá-me uma satisfação especial saber que ela foi a responsável por tramá-lo.
Gypsy Blanchard [The Act]: Sabem aquelas personagens para quem se olha e parecem completamente inofensivas, apesar de haver qualquer coisa nelas que não conseguimos sequer identificar que é assustadora? Basicamente foi o que senti em relação a Gypsy desde o início. A série é baseada num caso real e já não me recordo se quando comecei a ver sabia o que tinha acontecido, mas sei que isso não tem nada a ver com o que tornou Gypsy creepy para mim. Consigo perceber que tenha querido matar a mãe depois de uma vida inteira sob o domínio dela, das mais variadas formas; uma vida daquelas não é uma vida a sério. Anyway, Dee Dee tinha tudo para ser tão ou mais perturbadora do que a filha, mas não conseguiu afetar-me. Não sei bem explicar a sensação que Gypsy deixou em mim. Parece uma menina muito querida e eu costumo torcer pelos underdogs, mas… Talvez ela estivesse a fazer tudo isto apenas para sobreviver, mas…Há sempre ali qualquer coisa que para mim não bate certo. Será porque tudo nela me soa a falso? Aquela docilidade, aquela aceitação da forma como a mãe a trata, aquela alegria que demonstra tantas vezes quando tem tantas razões para odiar o mundo à sua volta… Estão a ver quando acham que uma série é demasiado fucked up e não são capazes de ver mais? Foi o que me aconteceu ao fim de quatro ou cinco episódios de The Act. Não quero de maneira nenhuma responsabilizar a miúda pelo mal que sofreu às mãos da mãe – Amma e Marian, de quem já falei em cima, também tiveram uma progenitora com a mesma doença de Dee Dee e não consigo ver nelas aquilo que vejo em Gypsy, apesar de Amma ser uma assassina -, mas acho que uma pessoa pode ser duas coisas: uma vítima e uma vilã.
Heinrich Müller [Un Village Français]: Execrável e perturbador são dois adjetivos que servem como uma luva a este… até me custa chamar-lhe homem. Müller é um dos nazis responsáveis pela ocupação e manutenção da ordem na aldeia fictícia de Villeneuve, mas o seu sadismo vai muito para além de quaisquer ordens ou deveres que possa ter para com o Reich. Envolveu-se com uma mulher casada, Hortense, que o amava para lá dos limites, mas não só a tratava com desprezo, como chegou a torturá-la e a permitir que fosse humilhada. É impossível de esquecer um jantar que Heinrich teve com Hortense, depois de ter vindo da Ucrânia (se não estou em erro), em que este lhe conta algumas das atrocidades que lá cometeu. Nunca percebi com que intenção o fez, se para a chocar, se para mostrar aquilo que verdadeiramente é, mas a forma como ele contou aquela história foi de um sadismo atroz e um desrespeito terrível para com os seres humanos que foram suas vítimas. O mundo seria tão melhor se homens como ele não existissem! Ainda bem que se trata de um produto de ficção, se bem que o líder da Gestapo partilha o nome com este personagem. Não sei se se trata de uma coincidência ou de uma alusão a esta figura terrível da História recente da Europa.
Junior Rennie [Under the Dome]: Não se pode esquecer que a relação tóxica que Junior tinha com o pai o marcou negativamente, mas ele é um adulto responsável pelos seus atos. Ora, Junior é o tipo de rapaz que lida com a ‘tampa’ de uma rapariga atacando-a fisicamente e fazendo dela prisioneira. É visível desde o primeiro momento que há algo de doentio em Junior, é mais do que óbvio que é um rapaz perturbado, sedento de poder e de se afirmar. Quando se tornou uma das novas figuras de autoridade de Chester’s Mill, vestindo o uniforme da polícia, teve a desculpa perfeita para agir a seu bel-prazer e não nos podemos esquecer de uma série de mortes que tem no currículo criminal.
Kilgrave [Jessica Jones]: O que é que pode haver de pior do que alguém que entra na nossa mente e tem a capacidade de comandar aquilo que fazemos, quase como se fôssemos marionetas? É absolutamente assustador que alguém possa ter esse tipo de controlo sobre outra pessoa. E todos sabemos que Kilgrave usou e abusou desse poder. Com Jessica, com Trish, com Wendy – nunca mais me vou esquecer dela a tentar desferir mil golpes a Jeri – e muitas outras. É um homem manipulador, sem qualquer sentido de moralidade e a sua obsessão por Jessica não conhecia limites. É uma boa ironia que isto tenha sido a destruição dele, quando pensava que os seus poderes podiam ser a resposta para controlar Jessica, mais uma vez.
Miss Havisham [Great Expectations]: Miss Havisham é completamente diferente de todos os outros personagens nesta lista. Não é uma pessoa horrível, não é uma assassina, não é sádica, é até alguém a quem não se pode desejar nada de mal porque não o merece. No entanto, nem só os monstros podem ser perturbadores. Há muitas versões da personagem, visto que o livro de Charles Dickens já teve inúmeras adaptações, mas esta, para além do filme protagonizado por Ethan Hawke e Gwyneth Paltrow, é a única que conheço – e nem sequer li a obra (está na minha lista, no entanto!). Desde que foi abandonada no altar que Havisham nunca mais foi a mesma e vive obcecada com o seu antigo estatuto de noiva, visto que não veste mais nada além do vestido com o qual era suposto casar-se. A postura mostra uma mulher assustada; a voz demonstra dor; a forma como mexe nas mãos magoadas, como alguém que coloca o dedo numa ferida, impressiona; o tom pálido é a prova de que nunca mais foi capaz de sair de casa e que se escondeu do mundo. O facto de, por debaixo de tudo aquilo, Miss Havisham ser bonita também não me parece que seja por acaso. Pode parecer uma bruxa, mas há uma mulher ali, alguém com sentimentos e que foi privada da vida que deveria ter tido. O único mal que fez na vida foi a ela mesma, por nunca ter sido capaz de seguir em frente. A personagem consegue ser perturbadora por ser uma lembrança daquilo que as amarguras da vida podem fazer a uma pessoa. Estou certa de que ela também seria capaz de assustar umas quantas crianças impressionáveis.
Thomas Humphrey [Orange Is The New Black]: Há uma série de guardas prisionais em Orange que mereciam passar para o lado dos verdadeiros criminosos, mas talvez Humphrey seja o pior deles todos. Age como se o trabalho dele fosse tornar a vida das reclusas mais difícil e como se a humilhação fosse uma das funções para as quais o contrataram. Há dois momentos em especial que o definem como o sacana sádico que é: quando obrigou Maritza a escolher entre comer um ratinho vivo ou dez moscas mortas, sob ameaça de uma arma, e quando tenta forçar um confronto físico entre Suzanne e Sankey, uma das supremacistas brancas. As coisas tomam proporções perigosas e acaba por ser Kukudio a lutar contra Suzanne, que, mentalmente instável, espanca a outra de tal maneira que os ferimentos resultam na sua morte. Humphrey deveria estar ali para separar brigas e não para as instigar, mas os espetáculos mais deploráveis são os que mais o divertem. Não sei o que teria acontecido se ele tivesse conseguido sacar da arma no dia em que o motim começou, mas estou certa de que as baixas teriam sido muitas e completamente indiscriminadas.
Charles Hoyt [Rizzoli & Isles]: Mestre da manipulação, assassino sádico e necrófilo. Características suficientes para o colocar nesta lista, mas não as únicas. Para além de matar, Hoyt tinha prazer em torturar as suas vítimas e gostava de escolher casais, para primeiro violar as mulheres, enquanto obrigava os homens a assistirem. Há uma crueldade inimaginável nesse ‘jogo’. Será que o fazia para que as pessoas desejassem morrer antes de ele as matar? Dá que pensar! Desenvolveu uma obsessão séria por Jane, perseguiu-a e tentou matá-la e, como forma de a atingir, tentou também fazer mal a Maura. No fim, acabou morto, mas deixou uns quantos seguidores que continuarão a fazer o trabalho dele. Uma maneira de atingir a imortalidade, de nunca cair no esquecimento, de deixar uma espécie de legado?
Quais são aqueles personagens que vos deixam com os pelos dos braços arrepiados?