Game of Thrones: Entre a Fúria dos Fãs e a Liberdade dos Artistas
| 25 Mai, 2019

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Começo este texto por tomar uma posição relativamente ao que vou debater. Para quem não sabe, eu sou formado em cinema e audiovisuais e estou neste momento a acabar uma pós-graduação na especialização de escrita de argumento para filmes e televisão. Ou seja, estou e sempre estarei do lado dos artistas e defendo a liberdade dos mesmos.

Estas últimas seis semanas têm sido marcadas por um tema comum. Game of Thrones! Tenho de dizer que nunca fui um fã a 100% de GoT. Sempre vi e acompanhei direitinho os episódios e inclusive é das séries mais debatidas cá em casa, mas sempre tive um olhar um pouco critico da série no sentido de a achar por vezes com um ritmo demasiado lento e algumas decisões mais ou menos inexplicáveis. Mas isso são pequenos pontos numa história brilhante da televisão. GoT mudou a forma como se faz entretenimento para televisão. Por ventura, foi GoT que começou a mostrar a Hollywood que o futuro está nas produções para o pequeno ecrã e já não tanto para o grande ecrã. Sou fã da história em si, desde a adaptação dos livros de George R.R. Martin à forma como David Benioff e D.B. Weiss desenvolveram a adaptação para televisão. Não é tão fácil como parece adaptar uma história como esta. Para não falar dos fantásticos atores que a série teve ao longo destes anos.

Compreendo e respeito que muitos fãs estejam desapontados com o final da série, mas, enquanto artista, tenho de dizer que também devemos respeitar a visão dos criadores, neste caso a visão que David Benioff e D.B. Weiss trabalharam ao longo dos anos. É a adaptação deles, a forma como eles decidiram contar a história. Podemos gostar ou não gostar, mas o respeito está sempre acima de tudo. Não podemos dizer que eles destruíram GoT só porque a série não acabou como queríamos. Todos criámos expectativas, é impossível não o fazer, sejam elas grandes ou pequenas, mas não podemos exigir que a série tenha o final que nós queremos e, para o caso de não acontecer, então é má. Não se pode ter um final diferente para cada pessoa!

Imaginemos que entramos numa galeria de arte e estamos a ver quadros de determinado pintor e vemos um de que não gostamos. Vamos exigir ao pintor que refaça o seu trabalho só porque não foi ao encontro do nosso gosto? Claro que não! Não pode ser assim! Há que respeitar ambas as partes. Se o artista deve aceitar a crítica e respeitar a opinião do observador, então o contrário também deve acontecer. Finais são difíceis sempre, em tudo na vida, e provavelmente nunca serão consensuais. Faz parte! Todas as grandes séries levam a esse tipo de discussão, desde Breaking Bad, How I Met Your Mother, Dexter ou, até o final mais famoso de todos, Lost. Eu sou daqueles que gostou do final de Lost, por exemplo.

Para mim, enquanto criador, sempre defendi que os artistas trabalham para o público. Não imagino arte que não chegue às pessoas. Não acho que faça sentido. Mas o público também não pode ser castrador como tem sido. As redes sociais tornaram fácil a crítica destrutiva, muitas vezes quando pouco ou nada se percebe do assunto. A liberdade do artista é um tema muito pouco debatido e por isso também quis criar esta crónica. É algo que me diz muito.

Sobre o final propriamente dito, confesso que achei o arco da Dany super bem trabalhado e construído ao longo dos anos. Desde há algum tempo que percebi e disse que ela ia acabar como acabou. Se estudarmos a evolução da personagem ao longo das temporadas, temos tudo ali. Claro que não é fácil admitir isso. Todos gostamos da Dany. Muitos deram o nome Khaleesi aos filhos ou aos animais em jeito de homenagem. Emilia Clarke fez um trabalho fantástico ao interpretar a personagem de modo a que todos ganhássemos um carinho especial por ela, mas nunca se esqueçam de uma coisa: televisão e cinema vivem da manipulação. Nós somos manipulados para pensarmos aquilo que querem que pensemos. Os sinais sempre estiveram lá, tal como o Tyrion disse: o amor que sentimos por ela acaba por nos cegar. E não! Ela não ficou maluca de um dia para o outro! Ela foi perdendo todas as pessoas que amava desde o início da série. O luto e a raiva acabaram por tomar conta dela. Até do ponto de vista visual isso é tão bem retratado na série! Reparem como ela começa sempre a usar roupas claras e leves quase como se fosse um ser puro e, ao longo das temporadas, vai mudando para roupas mais pesadas e escuras. Isto é a linguagem audiovisual. Até mesmo pela morte dos dragões podemos ver isso.

Reparem, o primeiro dragão a morrer foi o Viserion e depois morreu o Rhaegal, sobrando apenas Drogon. Isto é dizer de forma subliminar que as partes de Daenerys foram morrendo até sobrar apenas a de Drogon, ou seja, a mais agressiva. Aliás, para mim a cena da morte dela é poética. Reparem no que Jon Snow lhe diz antes de a matar. Diz-lhe que a ama e que ela sempre será a sua rainha. Essa é uma mensagem para nós fãs. Não temos de odiar Dany pelos erros que ela cometeu, não temos de esquecer tudo o que ela significou para nós, temos de perceber que ela é humana e, como em todos os seres humanos, os acontecimentos da vida levam-nos por caminhos que nunca pensamos seguir. Para mim, esse final foi perfeito.

Claro que tiveram coisas de que não gostei tanto. Acho que o ritmo lento que sempre caracterizou a série de repente aumentou e, claro, isso causou surpresa. Existiram coisas mal explicadas como a história do Night King ou mesmo a questão de Bran no trono. Se calhar até faz sentido, mas como foi tudo tão rápido acho que ainda estou a processar. Talvez se a série tivesse mais episódios ou até mais uma temporada, sendo que esta trataria do tema do Night King e a próxima do trono, poderia ter funcionado melhor, mas somando todas as partes, a conta é muito positiva. A história de Dany e Jon foi sempre o combustível para a narrativa e a maneira como o poder corrompe até o mais puro dos seres humanos. Esse sempre foi o ponto chave da história contada por George R.R. Martin.

Para finalizar, quero dizer só que, concordem ou não com o que escrevi e com o final da série, devemos retirar dois pontos-chave disto tudo. O primeiro é respeitarmos a liberdade dos artistas e não andar a criar petições ou sondagens para refazer algo. É uma falta de respeito por quem trabalhou tanto ao longo de tantos anos. Sim, porque os artistas trabalham muito e poucas ou raras vezes são reconhecidos por isso. O outro ponto é aproveitar e ficarmos felizes por vivermos esta fantástica altura onde a televisão nos oferece produções como GoT. Vivemos História! Esta era de GoT será para sempre recordada e ter o privilégio de viver isso é algo que só nós poderemos ter, porque acreditem que daqui a muitos anos ainda existirão pessoas a descobrir a série. Por mais críticas ou expectativas defraudadas, devemos agradecer por esta incrível jornada que uma série de televisão nos proporcionou.

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