No final de janeiro, os sites de entretenimento que diariamente percorro inundaram-se de notícias que davam conta de um ataque a Jussie Smollett, ator de Empire. As informações revelavam motivações racistas e homofóbicas como base da agressão e colocavam os apoiantes de Donald Trump na mira dos culpados.
Não tardou a que as redes sociais se inundassem de mensagens de apoio ao ator, com o mundo chocado por ainda haver pessoas a serem vítimas de violência devido à cor da pele e da orientação sexual. Também eu fiquei chocada, como acho que todos deviam ficar. Um ataque já é mau o suficiente, mas quando é motivado pelo ódio tudo se torna pior por ser um atentado àquilo que a pessoa é e não algo aleatório.
Smollett é uma figura pública e o caso teve uma enorme cobertura mediática, claro está. Também eu segui com alguma atenção os acontecimentos, curiosa, e, confesso, ansiosa que os culpados fossem encontrados. “Make America Great Again”, o slogan de campanha de Trump, teria sido uma expressão lançada a Smollett durante o ataque e como apoiante dos democratas que sou, mas sobretudo imensamente anti-Trump, estava muito interessada em ver provado que o discurso de ódio do presidente americano se faz repercutir nas ruas das cidades americanas.
No entanto, em meados de fevereiro, à medida que a investigação foi avançando, o caso pareceu tomar outras proporções e o envolvimento de Smollett no seu próprio ataque começou a ser questionado. Foram estabelecidas ligações entre ele e os atacantes, a quem teria pago dinheiro, e tudo não passaria de uma encenação para dar notoriedade ao ator e lhe proporcionar um aumento salarial em Empire. Tudo informações que foram sendo avançadas por variados sites ligados ao mundo do entretenimento. Smollett foi detido, acabou por ser libertado depois de ter pago uma fiança e está indiciado por um crime que pode ir até uma pena de 3 anos de prisão.
Nada está ainda provado em tribunal e prevalece a máxima de que todos são inocentes até prova em contrário no campo legal, mas na praça pública e nas redes sociais nada impede que as pessoas manifestem as suas opiniões e julguem Smollett por aquilo que fez ou não fez. A polícia diz ter várias provas da sua culpa, ele diz ser inocente. No entanto, apesar de achar que o facto de ser inocente ou culpado é muito importante, mais relevante do que isso é o efeito que este caso já está a ter. Se ao início o apoio foi enorme, agora são também muitos aqueles que se sentem revoltados porque acreditam na nova versão de que o ataque terá sido mesmo fabricado.
A ser verdade que foi de facto uma encenação… O mundo não é o lugar perfeito que gostaríamos que fosse, mas pensar que alguém que é negro e homossexual num país preconceituoso como os Estados Unidos pode ter-se aproveitado da discriminação de que estas duas minorias são vítimas para promover a sua carreira é mau demais. Que implicações é que isto pode ter para a denúncia de crimes de ódio no futuro? Um caso não devia ter impacto suficiente para mudar as coisas, mas é uma preocupação legítima. Ainda por cima quando são inúmeros os casos nos Estados Unidos que dão conta de discriminação e racismo no seio da polícia.
Alguns apoiantes de Trump que se sentiram vitimizados por serem associados a este ataque querem agora um pedido de desculpa por parte das celebridades e políticos que se pronunciaram antes. Por mim podem ir dar uma volta até ali ao fundo da rua. Ninguém tem de pedir desculpa por apoiar e se mostrar solidário com alguém que foi vítima de violência. Certo, mas parece que agora a vítima não é uma vítima. Não importa. Uma coisa era se determinado indivíduo em particular tivesse sido acusado de levar a cabo o ataque, sabendo-se agora que não tinha sido ele. Outra coisa muito diferente é pedir desculpas aos apoiantes de um presidente cujo discurso principal é de intolerância e de ódio. Não digo que os apoiantes de Trump sejam todos violentos, racistas ou homofóbicos. Não quero acreditar que metade dos Estados Unidos são assim (embora se saiba que uma parte o é), nem é justo achar que são todos farinha do mesmo saco, mas a atitude beligerante do presidente só tem servido para dividir o país. Aqueles que realmente são melhores que o presidente que elegeram não estariam preocupados em verem-se retractados, mas sim com a justiça.
Entretanto, Smollett foi retirado dos últimos episódios de Empire e fala-se na possibilidade de o seu papel ser colocado à disposição de outro ator. A FOX não está numa posição muito fácil, mas mais tarde ou mais cedo terá que tomar uma decisão definitiva.
Se for mesmo culpado, espero que Smollett não só seja condenado aos tais três anos de prisão, como nunca mais seja capaz de trabalhar no mundo da representação. Ele é negro e homossexual, mas por outro lado pertence a uma classe privilegiada, a daqueles que têm dinheiro e são celebridades. Esses safam-se muitas vezes, bem sabemos, mas aqui está em causa um crime sério que coloca muita coisa em causa. Também eu tive a maior das penas dele, mas nunca pediria desculpas por isso. À luz da informação que havia na altura, era tudo o que se podia fazer e, em caso de dúvida, prefiro dar o benefício da dúvida à alegada vítima, da mesma forma que outros dão o benefício da dúvida a alegados agressores. Só é pena que na realidade nunca se consiga conhecer o quadro completo. Nas séries, as motivações dos crimes e os seus culpados são sempre revelados e claros como água.
Diana Sampaio