Já há muito tempo, ainda aqui o nosso site estava no início, fiz duas crónicas sobre os meus personagens preferidos das séries. Na altura, fiz a separação entre personagens femininas e masculinas, precisamente porque tenho a noção de que as primeiras têm sempre um lugar de destaque para mim, sendo aquelas com quem normalmente me identifico e de quem mais gosto. Isso não mudou, mas, vários anos depois, houve algumas novas personagens a conquistarem um lugar nas minhas preferências e foi por isso que surgiu a ideia de fazer uma nova crónica e que, nem a propósito, é constituída apenas por mulheres.
Amelia Shepherd [Private Practice e Grey’s Anatomy]: Amelia fala pelos cotovelos e diz o que pensa, sem filtros, o que a torna uma personagem muito engraçada. Adoro uma personagem capaz de me divertir, mas Amelia é muito mais do que isso. Quando apareceu na 3.ª temporada de Private Practice, já se mostrava uma personagem promissora, uma jovem médica brilhante e que estava ligada ao passado de Addison, sendo a sua cunhada mais nova, com quem tivera uma relação próxima. No entanto, por muito que adore a faceta mais leve de Amelia, foi nos momentos de maior dramatismo ou fragilidade emocional que me ‘apaixonei’ pela personagem. O assassinato do pai quando Amelia ainda era muito pequena marcou-a profundamente e arrastou-a para um caminho em que procurou refúgio nas drogas. Depois a perda de Ryan, também à custa das drogas, e a gravidez trágica foram responsáveis por storylines bastante interessantes da personagem. Às vezes comporta-se como uma criança mimada, afasta aqueles que ama e que a amam quando se sente magoada, mas é também a pessoa que está lá sempre que os outros precisam. É o tipo de médica que dá a mão a um paciente para ele não se sentir sozinho, a médica que vai à sala de espera dar conforto a quem aguarda por notícias, a cirurgiã que é genial e confiante, mas que não é arrogante o suficiente para se questionar, uma pessoa que tem defeitos, mas muito humana e é por isso que é fácil identificarmo-nos com ela.
Camille Preaker [Sharp Objects]: Não fosse a protagonista de Sharp Objects e já teria lançado esta crónica há mais tempo. No entanto, eu adoro a Camille do livro e estava à espera da série para perceber se, na adaptação televisiva, ela também ocuparia um lugar especial. Confirma-se. A personagem está extremamente bem retratada e é muito fiel à do livro. A forma como a vejo não é exatamente a mesma, porque aqui ela não é a narradora da sua própria história e não temos acesso aos seus pensamentos, mas Amy Adams é extraordinária a mostrar o sofrimento e a fragilidade de Camille. É quase impossível não sofrer com ela e não querer protegê-la. Seja da mãe, do consumo abusivo do álcool, do ambiente sufocante de Wind Gap, do mundo em geral e, sobretudo, dela própria. O corpo mutilado de Camille é impressionável, a prova física da destruição emocional dentro dela. Parece a pessoa mais infeliz do mundo, mas é a única de Wind Gap que… Não sei, parece ser sã, apesar de tudo, e genuína. A forma como ela faz tudo o que pode, incluindo arriscar a própria vida, para salvar a irmã mais nova, mostra o quanto tem um coração bom e uma força incrível.
Jessica Jones [Jessica Jones]: Mesmo antes de ter começado a ver Jessica Jones já tinha a sensação de que iria gostar muito da personagem principal. Como eu, Jessica é uma misantropa, tal como a própria se refere a ela própria num episódio. Bem, mas Jessica há-de gostar mais de pessoas do que eu, ou não fosse ela uma heroína que se dá ao trabalho de salvar umas quantas vidas. Alguns podem questionar a atribuição do título de heroína a Jessica, mas para mim é indiscutível. Ao longo destas duas temporadas da série, vimo-la perseguir vilões, mas sobretudo vimos a sua luta para salvar inocentes, para manter um equilíbrio e fazer aquilo que está certo, quando simplesmente podia ter desistido. Depois daquilo que sofreu às mãos de Killgrave, Jessica podia ter-se abandonado a uma quase não-existência e sabemos que às vezes tenta fazer isso com o recurso ao álcool, mas a verdade é que ela enfrentou o vilão que quase a destruiu para que ele não pudesse voltar a magoar ninguém. Jessica esconde-se sob uma máscara de frieza, de indiferença, recheada de comentários amargos e sarcásticos, mas vejo isso como uma defesa dela. A vida maltratou-a desde miúda e continua a arranjar formas de a magoar, mas nem o pior inferno conseguiu destruir Jessica. Não permanentemente, pelo menos. Tendo tudo em consideração, acho que Jessica não poderia fazer melhor e tendo em conta que Trish costumava ser uma espécie de bússola moral para a amiga, nesta temporada os papéis inverteram-se e, mais do que nunca, acho que a nossa protagonista consolidou o seu título de heroína.
Nicky Nichols [Orange Is the New Black]: Bem, parece que há aqui uma série de personagens com problemas de álcool e/ou drogas, mas foi mera coincidência e Nicky é a última desta crónica que se enquadra nesse perfil. Desde o início de Orange Is the New Black que ela é uma das minhas personagens preferidas da série. Nicky é sarcástica, engraçada, esperta e, apesar de ser muito nova, não são raras as vezes em que mostra uma certa sabedoria e uma racionalidade que não desaparecem mesmo quando não está sóbria. Sempre admirei isso nela. Nicky já fez muitas coisas parvas, já magoou Red e Morello, as pessoas que lhe são mais próximas, só porque podia, mas no geral tem um coração de ouro e o passado dela, que conhecemos através de flashbacks, é bastante triste. Nicky cresceu no seio de uma família rica, tinha todas as oportunidades à disposição, mas faltou-lhe a atenção dos pais e a sensação de pertença. É por isso que às vezes afasta aqueles de quem mais gosta, porque desenvolveu uma espécie de culpa de que talvez não seja merecedora de amor, se não o teve dos pais. É difícil esquecer essa sensação quando se passou mais de vinte anos a sentir-se assim e deixar os outros entrarem verdadeiramente na vida dela. É daquelas personagens que dá vontade de proteger. Não há cenas aborrecidas com Nicky, porque ela é engraçada de uma forma muito peculiar, mas ao mesmo tempo consegue ser muito fofa.
Nomi Marks [Sense8]: Antes de Nomi, não tinha sido muito exposta à realidade trans. Ok, havia Sophia de Orange, mas nunca gostei especialmente da personagem, e o protagonista de Transparent, mas não vi mais do que meia dúzia de episódios. Há histórias que não nos tocam muito, mas depois há outras como a de Nomi, que me conquistou desde o primeiro instante. Aliás, ficção científica nunca foi um género que apreciasse e, se não fosse Nomi, confesso que teria deixado de ver Sense8 logo nos primeiros episódios. No entanto, senti rapidamente um carinho muito especial pela personagem, pela sua relação com Amanita também, e toda a história de a quererem submeter a uma cirurgia da qual Nomi não precisava deixou-me imensamente curiosa. Já noutras crónicas falei do quanto as séries ajudaram a alargar os meus horizontes e a compreender realidades diferentes daquelas com que me deparo todos os dias, mas sinto que esta personagem em particular me ajudou a sentir ligada aos problemas que as pessoas transgénero enfrentam. Nomi é uma pessoa fantástica e ainda bem que encontrou junto de Amanita o amor que merece. Só me deixa triste que ela, e tantos outros na mesma situação, tenha passado por momentos tão difíceis, com pais que não a aceitavam. Hetero, gay, bi, trans, interessa mesmo? Não. Ou, pelo menos, não devia interessar.
Serena Joy [The Handmaid’s Tale]: Debati-me sobre se deveria incluir Serena nesta lista. Aqui está ela porque, de facto, se revelou uma das minhas personagens preferidas, mas era como se fosse moralmente errado colocar esta vilã no meio de uma série de personagens, algumas muito fucked up, diga-se, mas essencialmente boas. No entanto, quem me conhece sabe que tenho um fraquinho por personagens damaged e flawed, por um lado, e por vilãs, por outro. Talvez Serena não seja propriamente uma vilã, embora tenha feito umas quantas coisas tão revoltantes e desprezíveis! Bater em June (recuso-me a chamar-lhe Offred), sugerir a Fred que violasse June para induzir o parto e ter participado ativamente na violação… Serena foi horrível e sei que o que vou dizer soa a desculpas baratas, mas isto é um produto de ficção e por isso permito-me entender e aceitar coisas que seriam inaceitáveis no mundo real. Desde o início da série que tento imaginar o que é estar no lugar de uma wife. As handmaids são violadas, humilhadas, destituídas das suas identidades, mas para as wives é pessoal. Quer dizer, elas estão ali, a ser confrontadas com a sua infertilidade, enquanto os maridos têm sexo com outras mulheres. Não imagino a humilhação que será, principalmente para aquelas que, como Serena, querem tanto ter um filho. Ou para aquelas que realmente amam os maridos e têm que estar ali a observar o raio da Cerimónia. São coisas como estas que me fazem pensar que mulheres como Serena também são vítimas. É certo que Serena, em particular, teve um papel ativo na conceção daquilo que veio a ser Gilead, mas sinto-me segura em dizer que não era isto que ela tinha em mente. Até porque se mostrou ser uma cabra insensível em muitos momentos, há tantos outros em que mostra que é humana. Estou a recordar-me do momento em que assistiu à condenação da esposa de Nick à morte e em que chorou pela menina, mas também em quando pediu a June que a ajudasse a rever o trabalho que estava a fazer por Fred enquanto este estava no hospital ou quando apareceu perante os Comandantes e teve a coragem de ler uma passagem da Bíblia, em violação às regras de Gilead. Sobretudo, é inesquecível o sacrifício de ter aberto mão de Nichole, a bebé que sempre quis, para que ela pudesse crescer longe de Gilead. Mesmo com June, em particular, houve momentos em que Serena mostrou que não tem uma pedra no lugar onde é suposto estar o coração. Os flashbacks do passado de Serena – em que ela tinha uma carreira e parecia uma mulher apaixonada num casamento feliz em vez do desastre que é agora a relação dela com Fred – ajudam a convencer-me que Serena está apenas a desempenhar o papel que lhe é exigido. Yvonne Strahovski tem um desempenho fantástico que me deixa a desejar que Serena estivesse sempre no ecrã.
Diana Sampaio