[Contém spoilers]
Desde que Coven terminou nunca mais levei uma temporada de American Horror Story até ao fim. Via os primeiros episódios, mas nunca passava do terceiro. Coven definitivamente também não foi uma boa temporada; começou bem, não terminou mal, mas perdeu-se completamente pelo meio, a certa altura. Sentia falta da genialidade de Asylum, mas achei que Cult tinha potencial desde que foi anunciada. Quer dizer, a história tinha por base as mais recentes eleições americanas. Fez sentido para mim: há maior história de terror nos últimos anos do que a eleição de Trump? Acompanhei as notícias até tarde na noite anterior, enquanto o mapa dos Estados Unidos se ia colorindo a azul ou vermelho, conforme os estados eram conquistados. Fui dormir ansiosa, mas confiante de que, quando acordasse, no dia seguinte, Hillary Clinton seria presidente.
Dediquei toda a atenção à campanha presidencial, mas convencida de que Trump era uma anedota tão grande que não havia motivo para preocupações. Quer dizer, ele atacou os imigrantes, as pessoas com deficiência, fez comentários desagradáveis sobre as mulheres e todas as minorias, basicamente, portanto que votos é que lhe restavam? O dos homens brancos? Isso não lhe daria a vitória, parecia óbvio. No entanto, o pesadelo concretizou-se. Quando acordei, nessa manhã, já tinha duas mensagens no telemóvel. Ambas me alarmaram, ambas davam Trump como eleito. Uma delas era da minha melhor amiga que, tal como eu, odeia Trump e tudo aquilo que ele representa. Saltei para a frente da televisão para testemunhar aquilo que estava a acontecer, porque eu mal conseguia acreditar. Não tive um meltdown como Ally no episódio piloto de Cult, mas chorei. Estava assustada com o que aquele homem poderia fazer. O mais assustador de tudo é que Trump não é um rei tirano que chegou ao poder por o ter herdado, chegou lá porque foi eleito. Aquelas pessoas queriam-no lá. Pessoas que pertenciam a grupos que ele tinha atacado, já que aqueles que não foram alvo de críticas não teriam sido suficientes para o eleger. E sabem quem mais foi eleito? Hitler! Isso esteve na minha mente durante muito tempo! Não queria que o mundo vivesse uma Terceira Guerra Mundial. Trump é belicoso, intempestivo, isso continua a assustar-me. Muito. Mas consola-me saber que o seu índice de popularidade é uma treta e que há eleições novamente daqui a três anos. No entanto, vou lembrar-me de ser cautelosa e de não me convencer que ele vai perder. O pesadelo pode ter uma Parte 2.
No entanto, American Horror Story: Cult não se centra em Trump ou em Hillary Clinton, joga antes com as nossas fobias, os nossos medos mais profundos e o quanto é fácil manipulá-los contra nós, o quão facilmente podemos ser alvo de uma lavagem cerebral que muda aquilo que somos. Kai nem sempre foi aquilo em que se tornou mais tarde. Algo mudou nele e pode mudar também em nós. É quase uma lição de que não temos o controlo total sobre aquilo que somos e é também uma prova da nossa arrogância por pensar que aprendemos com os erros da História e que não os repetiremos. Isto fez-me pensar inúmeras vezes no filme Die Welle (A Onda), que mostra o quanto é fácil cometer os mesmos erros, mesmo que a uma escala menor. Às vezes tudo o que basta é um líder carismático que sabe interpretar as nossas fraquezas e usá-las a seu favor.
Eu não costumo ser daquelas pessoas com palpites muito certeiros em relação ao que vai acontecer nas séries. No entanto, desde o início que estava bastante segura de que Ally não estava maluca e que aquilo fazia tudo parte de alguma espécie de maquinação. Foi precisamente Ally Mayfair-Richards (interpretada pela sempre brilhante Sarah Paulson) e a sua família que me prendeu ao ecrã desde o início. Sorte a minha que não tenho medo de palhaços!
Cult conseguiu deixar-me imensamente ansiosa por mais, logo no primeiro episódio, o que constituiu uma melhoria significativa em relação às temporadas anteriores. Depois, Paulson a interpretar novamente uma personagem lésbica (saudades de Lana Winters!) numa realidade que é a do nosso mundo, com os problemas que enfrentamos enquanto sociedade e que tantas vezes vagueiam a minha mente, foram a cereja no topo do bolo. A cada episódio eu estava mais e mais viciada. Em onze episódios, sete ou oito foram fantásticos. Mesmo os que não foram assim tão brutais, foram bons e relevantes. Senti que estava a ser contada uma história importante e que, para além dos cultos, estávamos também a navegar nas águas do feminismo e do patriarcado, da opressão.
O episódio centrado no Manifesto SCUM foi um dos que menos gostei, confesso. Uma feminista deveria ter adorado um episódio sobre um movimento feminista, certo? De um ponto de vista histórico foi muito interessante, sim, mas aquilo não era feminismo coisa nenhuma! Hitler queria exterminar os judeus e Valerie Solanas queria acabar com os homens. As verdadeiras feministas procuram a igualdade e não uma desculpa para odiar o sexo masculino. Não me revejo em nada naquilo que defendem. A única coisa à qual acenei em concordância – algo que eu própria já tenho dito – é quando Solanas refere que nunca nenhuma mulher começou uma guerra. Só que o propósito das SCUM perde-se pelo caminho quando elas condenam a violência e depois a usam, precisamente, como arma. No entanto, a verdade é que a desigualdade continua, mesmo nos países ditos desenvolvidos, mesmo nas supostamente mais progressistas indústrias, como é o caso da do entretenimento. Não preciso de começar a falar de Harvey Weinstein, pois não?
Se ao início, o culto de Kai Anderson parecia muito inclusivo, rapidamente as coisas começaram a descambar para o lado das mulheres – que começaram a ser relegadas para trabalhos como a preparação de refeições, numa tentativa de lhes lembrar que o lugar delas era na cozinha. Os homens do culto idolatram Kai, querem ser uma parte essencial do seu ‘exército’, mas as mulheres começam a colocar tudo em dúvida. Não necessariamente porque abriram os olhos e perceberam que aquilo de que faziam parte era errado, mas porque já não faziam realmente parte. Quando se acredita de forma cega em algo, faz-se tudo o que nos pedem, mesmo que isso signifique dar um tiro na cabeça ou engolir uma cápsula de cianeto. Muitas daquelas pessoas estavam dispostas a fazer isso. Mas outras já não.
O meu outro palpite em relação à evolução da trama é que Ally estaria um passo à frente de Kai. Houve alturas em que duvidei do meu próprio palpite, mas durante a maior parte do tempo sentia que Ally acabaria a temporada em grande, como uma ‘rainha’, como aconteceu em Asylum. Bingo! E quando, no último episódio, fazem a seguinte menção: “If she turned down Lana Winters, why the fuck would she say ‘yes’ to Rachel Maddow?”, sinto que não podia haver melhor ligação entre as minhas duas temporadas preferidas da série e entre as duas personagens, ambas interpretadas por Paulson.
Melhor só quando Ally fez uma alusão a uma expressão usada por Trump, ‘nasty woman’, mas usando-a quase como um símbolo: “You’re wrong. There is something in this world more dangerous than a humiliated man — a nasty woman”. Perfeito!
O final parecia uma espécie de vitória do feminismo, eu estava a sentir uma enorme satisfação em tudo aquilo, mas ao mesmo tempo havia algo que me parecia off. A última cena provou-o, quando Ally veste o manto que Bebe usara, o manto que representa o Manifesto SCUM. Daqui é possível tirar duas interpretações. No pior cenário, Ally sofreu uma experiência terrível que a marcou a ponto de se identificar com a posição de que os homens devem ser eliminados. No melhor dos cenários, Ally tem a noção de que nem todos os homens são iguais – ela própria tem um filho – e não se vai tornar uma espécie de vingadora. Com o lugar conquistado ela vai apenas tentar promover a igualdade e garantir que as mulheres têm direito ao seu lugar no mundo.
No entanto, isto é American Horror Story e não um conto de fadas, por isso é possível que seja mais a primeira hipótese e que Ally tenha encontrado a escuridão dentro dela enquanto tentava salvar-se. Afinal de contas, Ally matou Ivy. É certo que Ivy lhe tinha feito coisas horríveis, imperdoáveis, e com uma motivação absolutamente absurda, mas eu via Ally como a heroína da história e os heróis não matam, a não ser quando tem mesmo de ser (Once Upon a Time a mais na minha cabeça!). Ally deveria ter tido a sua vingança, sim, mas não através da morte. A sério, Ivy, quando te sentaste para comer achavas que estava mesmo tudo bem? Nem reparaste que a Ally não tinha tocado em nada que estava no prato? I did see that coming!
O final é um pouco agridoce, mas adorei esta 7.ª temporada, acho que foi muito relevante em vários aspetos. Venha a próxima e que seja tão boa como esta!
Diana Sampaio