Há uns tempos fiz uma crónica dedicada aos personagens mais cómicos do mundo das séries, mas na qual só incluí comédias. No entanto, mesmo em dramas e noutras séries pretensamente mais sérias, há uma infinidade de personagens tão ou mais engraçadas do que as das comédias e sobre as quais achei que valia a pena debruçar-me. Ao tentar fazer o primeiro esboço de uma lista apercebi-me que a maioria das personagens que queria incluir eram as minhas preferidas, a quem já tinha dedicado outra crónica. Assim sendo, decidi que teria de deixar de fora nomes como Callie Torres, Regina Mills e Brooke Davis para dar lugar a outros a quem ainda não tinha dado destaque. No final, foram estes os ‘engraçadinhos de serviço’ escolhidos:
Harold Abbott [Everwood]: Apesar de Everwood não estar mesmo nada mal servida no que diz respeito a personagens engraçados, Harold ganha o troféu de mais cómico do elenco. Harold estava acostumado a ser o único médico da pequena cidade, mas a chegada de Andy Brown, um colega de profissão, ainda por cima um reputado cirurgião de Nova Iorque, vai abalar a sua ‘paz’. Harold é um bom homem e um bom profissional, mas não tem o feitio mais fácil do mundo e não se vai poupar a pequenos ataques e despiques com o recém-chegado que, inadvertidamente, lhe irá roubar alguns dos pacientes. Harold é muito verbal em relação a todas as situações – principalmente aquelas que o incomodam – e não é raro a mulher ter que lhe dizer para parar. Mesmo quando Harold ultrapassa um pouco a sua antipatia em relação a Andy e os dois até se tornam amigos, as picardias continuam em tom amigável.
Helena Peabody [The L Word]: Helena funciona um pouco como comic relief em The L Word, uma série que abunda em drama novelístico. Quando a personagem surge, no início da 2.ª temporada, é óbvio que não tem muito filtro ou sentido do conveniente (embora, quando se tem um sotaque tão deliciosamente adorável, isso faça esquecer muita coisa!). Helena é rica, incrivelmente rica por causa da mãe, e por isso está habituada a ter tudo o que quer; basicamente, é uma menina mimada no corpo de uma mulher adulta. No entanto, é precisamente a sua falta de noção em relação a coisas que são normais para pessoas que não têm uma batelada de dinheiro no banco que tornam Helena tão engraçada. E Helena pode ser mimada, mas tem os seus momentos de fofura, é genuinamente divertida porque diz aquilo que acha e nunca me hei-de esquecer de uma frase icónica dita por ela numa altura em que a mãe lhe retirou o dinheiro: “I had no idea it could feel this warm and fuzzy being poor”.
Irmã Evangelina [Call the Midwife]: Também Call the Midwife tem a sua quota parte de personagens engraçadas, mas ninguém bate a Irmã Evangelina. Ela é um pouco ríspida, não manda recados por ninguém e não tem muita paciência para parvoíces. Não só não tem, como não se inibe absolutamente nada de condenar em voz alta aquilo que ela considera merecedor de reprovação, o que intimida um pouco as parteiras mais novas da Nonnatus House, mas a verdade é que este mau feitio esconde o interior bondoso de alguém que é um apoio para todos em tempos difíceis. A Irmã Evangelina também choca um pouco com a Irmã Monica Joan, cuja saúde mental já viu melhores dias, mas que tem uma obsessão por doces. Não há momentos aborrecidos com a Irmã Evangelina, independentemente de quem partilhe com ela o ecrã. A sua morte foi uma grande perda para a série, que perdeu uma das suas melhores personagens e, certamente, a mais divertida.
Lorelai Gilmore [Gilmore Girls]: Lorelai fala a mil à hora, tem sempre uma opinião sobre tudo e um sentido de humor inegável que não se inibe de acompanhar com as mais variadas referências à cultura pop. Nem todos conseguem entender o seu sentido de humor (definitivamente será sempre algo difícil para os seus conservadores pais), tal como eu não consigo perceber como é que alguém que basicamente vive à conta de fast food e de café se consegue manter assim magra, mas enfim! As picardias com Luke, bem como com Michel, são outros dos momentos verdadeiramente engraçados proporcionados por Lorelai, mas nada é mais divertido do que ver a personagem no ecrã com a mãe, Emily. Lorelai retira um certo prazer de ‘chocar’ com a mãe nas mais diversas situações e é por isso mesmo que os jantares de família foram sempre das minhas cenas preferidas de Gilmore Girls.
Lorna Morello [Orange Is the New Black]: Bem, é certo que no decorrer das cinco temporadas da série Morello já disse umas quantas coisas que realmente a fazem parecer racista, mas eu acho que Lorna é mais burra do que outra coisa, sinceramente. Gosto imenso da personagem, mas é certo que fica a dever muito à inteligência. No entanto, os seus delírios são hilariantes, bem como o facto de a sua visão do mundo ser basicamente baseada em West Side Story, como Nicky já frisou. Contudo, Morello nunca teve tanta piada como quando decidiu deixar de fazer sexo com Nicky, já que é o tipo de pessoa que claramente pensa nela própria como uma lésbica de ocasião, apesar de ser óbvia a dificuldade que tantas vezes teve em resistir aos avanços de Nicky. Uma das muitas pérolas de Morello: “I don’t think racism should be a group activity. It’s private.” Agora eu acho que o racismo não devia ser público nem privado, simplesmente não devia existir, mas se todos os racistas fossem como Morello estava o mundo melhor do que é hoje. Além disso, não se pode levar muito a sério alguém que fala de Toy Story como sendo acerca de um astronauta, um cowboy e um psicopata maléfico.
Lucy Preston [Timeless]: Provavelmente a maioria das pessoas considerará Rufus o personagem mais cómico de Timeless e consigo perceber o porquê, mas continuo a achar Lucy mais engraçada. Em primeiro lugar, acho que há qualquer coisa de adorável nela e acho sempre piada a esse tipo de personagens. Depois, sendo historiadora e viajante no tempo, é inevitável que Lucy se entusiasme com o facto de poder experienciar momentos que estudou nos livros e que agora ensina aos seus alunos. Consigo identificar-me perfeitamente com esse sentimento, porque eu, que adoro séries e filmes, por exemplo, também iria delirar se pudesse visitar lugares icónicos de lá e cruzar-me com os personagens. Assim sendo, Lucy é uma espécie de fan girl moderada e que até já pôde flirtar (ou ser alvo de flirt) com um ou outro nome famoso da História.
Marissa Gold [The Good Wife e The Good Fight]: Marissa surge como uma verdadeira lufada de ar fresco num elenco maioritariamente mais sério e mais velho. A única filha de Eli Gold é inteligente e carismática, mas é sobretudo muito engraçada. Para começar, a forma como ela fala é divertida e alia-se a um constante sorriso no rosto. Marissa é muito prática e o tipo de pessoa sempre capaz de constatar aquilo que às vezes não parece tão óbvio para os outros e, contrariamente à maioria das personagens que eu acho realmente engraçadas, ela não se serve da ironia ou de comentários mauzinhos para fazer valer a sua comicidade. Simplesmente acho que é daquelas personagens com uma graça natural.
Miranda Bailey [Grey’s Anatomy]: Bailey tem tolerância zero para parvoíces e di-lo alto e bom som. Além disso, também não se inibe nunca de chamar a atenção de internos e residentes para os disparates que dizem ou fazem, mas tampouco se inibe de fazer o mesmo com os seus colegas e até superiores. Pode-se dizer que Bailey acumula ‘desancas’ dadas por comportamentos reprováveis. Depois, ela distingue-se da maioria dos seus colegas por ter uma atitude bem mais discreta em relação a atividades sexuais e não tem paciência para esse tipo de coisas no seu hospital. Bailey destaca-se por ser daquelas mulheres que mesmo quando não tinha um cargo de especial autoridade fazia uso da sua autoridade natural na mesma. Foi impagável quando ela achou que Richard estava a ser casmurro e ligou a Adele para fazer queixinhas. De uma maneira ou de outra, Bailey consegue sempre o que quer.
Mrs. Patmore [Downton Abbey]: A cozinheira dos Grantham está sempre a resmungar, nomeadamente com a ajudante Daisy. Faz parte da sua personalidade mandar vir com toda a gente, mas Daisy é quem leva sempre com a dose completa. No entanto, Mrs. Patmore, apesar de um pouco intempestiva, tem um bom coração, embora não goste muito de demonstrar demasiada benevolência, não vão os outros abusar ou pensar que ela está a tornar-se mole. No entanto, para gerir uma cozinha que alimenta tantas pessoas o melhor é mesmo ter mão firme.
Zelena [Once Upon a Time]: As irmãs Mills são inequivocamente engraçadas, mas já me debrucei muito sobre Regina e a verdade é que a sua irmã mais velha não lhe fica atrás em termos de piada. Zelena cresceu com um sentimento de inveja (que a tornou verde) pela vida de que foi privada ao invés da irmã, que teve tudo o que ela teria desejado. Assim sendo, ela tornou-se amarga e é precisamente com tiradas amargas que encara a irmã e, para ser sincera, o mundo. Mesmo quando as coisas se tornam melhores para Zelena e começa a criar uma boa relação com Regina e a sentir-se um tanto ou quanto integrada junto dos outros heróis, nunca deixa de se servir do seu humor um pouco sarcástico como mecanismo de defesa. O delicioso sotaque britânico da personagem só torna ainda melhores os momentos em que Zelena age como se fosse uma criança amuada a quem tiraram um brinquedo.