[Contém spoilers]
All His angels foi o episódio mais traumático e simbólico da história de Vikings: há 44 episódios atrás Travis Fimmel e o seu Ragnar começaram a construir uma história e uma personagem que nos cativaram e nos tornaram fiéis fãs desta série. A personagem e a grandiosidade da série foram crescendo lado a lado e houve momentos que Vikings e Ragnar Lothbrok eram um só. Desde a morte de Athelstan que assistimos a uma espiral decadente de Ragnar, a um claro declínio que poderia indiciar que o seu destino estaria a seguir uma estrada sem retorno. Mas nunca estaríamos verdadeiramente preparados, nem desejávamos que este momento chegasse: o Fim de Ragnar Lothbrok.
Muitos de nós talvez não acreditássemos neste desfecho, mas Ragnar acreditava. Ragnar escolheu o seu próprio destino. Mas antes de partir garantiu que a sua vingança estava assegurada, passando o testemunho ao seu filho Ivar e assegurando-lhe que um dia ele seria temido e que todos quantos os que o subestimaram pela sua debilidade física iriam arrepender-se e subjugar-se ao seu maior dom, uma raiva incomparável. Contudo, e após a conversa com o Rei Ecbert, a vingança orquestrada por Ragnar não é para com o Rei Aelle, mas é mesmo com Ecbert, que segue ele próprio um caminho de penitência por sentenciar a grandiosidade do rival, que admira, ao seu derradeiro capítulo, caminhando descalço e sob as vestes humildes no cenário da fatalidade.
Em termos simbólicos, os Cristãos começam a vencer os Vikings num mero jogo de xadrez entre o filho de Athelstan e Ivar, que leva consigo a peça do rei derrotado. Ragnar entrega ao filho de Athelstan a cruz de Cristo do seu pai, que o confortara desde o momento da perda do amigo, momento esse que marcou o início das suas dúvidas acerca dos seus próprios deuses. No caminho rumo às terras do Rei Aelle, Ragnar tem uma visão do vidente, revelando-lhe que não acredita na existência de deuses. O seu destino foi traçado por si, não foi influenciado por deuses, foi ele próprio o comandante das suas decisões, ações e consequências. Nessa viagem Ragnar é ainda assolado por flashbacks das suas ações menos nobres e mais pecaminosas.
As cenas que antecedem a morte de Ragnar são totalmente impróprias para os mais sensíveis. Ragnar é sujeito a torturas bárbaras pelas mãos dos cristãos, torturas não menos cruéis que aquelas às quais o profeta dos cristãos foi também sujeito, revelando que não há religiões superiores umas às outras e que a fé é utilizada vezes sem conta como desculpa para os piores pecados. No seu último sono antes da morte, Ragnar vê memórias da sua vida e as pessoas que mais a marcaram. Essas memórias são preenchidas pela sua maior paixão, Lagertha, a pequena Gyda, o pequeno Bjorn, o adulto Bjorn, o seu irmão Rollo, o seu fiel amigo Floki, o amigo que alterou a sua fé, Athelstan, a mãe dos seus outros filhos, Aslaug, o seu filho mais novo Ivar, o seu rival Ecbert… Mesmo sob tanto sofrimento, Ragnar mostra sempre o seu lado guerreiro, não mostra qualquer medo, nunca se quebra, não lamenta a sua morte. No derradeiro discurso, depois de tanto sofrimento às mãos dos cristãos, parece que Ragnar se reaproxima das suas crenças vikings e assume o desejo de entrar em Valhalla e de esperar pelo reencontro com os seus filhos para escutar acerca dos seus triunfos.
Fica o brilhantismo do desempenho de Travis Fimmel. Ragnar Lothbrok é, sem dúvida alguma, uma das melhores e mais complexas personagens que preencheu o mundo das séries nos últimos anos com a sua genialidade e eloquência. Perde-se o lado mais inteligente e cerebral de Vikings, que poderá subsistir parcialmente com Ivar. O declínio de Ragnar foi-nos permitindo ver a ascensão de outros guerreiros que poderão dar continuidade à série e honrar a pesada herança que é ser filho de Ragnar. Daqui para a frente espero uma série mais sombria, com Hubbe, Sigurd e Ivar implacáveis e impiedosos em busca de vingança pelo seu pai. E em outras águas longínquas que será do destino de Bjorn, Rollo, Hvitserk e Floki? Quem sabe se não estarão todos juntos e com Lagertha na vingança do enorme Rei Ragnar!
André Borrego