Baseado no romance do mesmo nome de Natalie Baszile, Queen Sugar é um exercício melodramático de televisão escrito e realizado por Ava DuVernay (realizadora do aclamado filme Selma). A história centra-se em três irmãos afro-americanos de diferentes backgrounds sociais e financeiros que irão cuidar da herança do seu recentemente falecido pai: uma quinta de cana-de-açúcar que não tem dado frutos. Nova é uma curandeira que vive um amor extraconjugal com um detetive; Charley é uma manager bem sucedida de uma estrela de basquetebol com quem casou e tem um filho adolescente e Ralph Angel é um pai solteiro que se debate com o desemprego e histórico com drogas. Juntos, os irmãos vão passar por muitas dificuldades e amarguras tentando reviver a memória do seu pai e concretizando o seu sonho.
Ava DuVernay é uma força da natureza. Uma mulher que enfrenta com garra os organismos mais conservadores da indústria americana contra a desigualdade de géneros e contra o racismo. O seu primeiro trabalho em televisão é de uma beleza humana inigualável. Um drama intenso e de performances fortes. Um conto de esperança, dor e perda mas também de amor, carinho e ternura. São poucas as mulheres em Hollywood que se dedicam à realização no mundo do cinema e da televisão. Esta temática tem sido bastante discutida ao longo destes últimos anos, onde há queixas de que as mais emblemáticas academias de prémios como os Óscares e os Emmys não dão o devido mérito a estas senhoras talentosas que trabalham arduamente para deixarem a sua marca na história da 7.ª arte. Foi em 2010 que Katheryn Bigelow se tornou a primeira mulher a subir ao Kodak Theatre e a reclamar o Óscar de Melhor Realizadora. Um feito histórico, de facto… mas em 2015, esse feito poderia ter sido ainda mais histórico. Largamente aclamado pela crítica, o filme Selma foi realizado com uma simplicidade contagiante por DuVernay que, por si só, recebeu imensos elogios. O problema? A realizadora afro-americana nem sequer foi nomeada e o filme Selma apenas levou a estatueta de Melhor Canção Original. Portanto, Hollywood continua a ser vítima de tudo aquilo que, no maior ninho da 7.ª Arte mundial, admite defender. Desde a desigualdade de géneros à constante falha de nomeações para os afro-americanos que se dedicam ao cinema e à televisão, Hollywood parece desaprender cada vez mais.
Mas politiquices à parte, DuVernay é uma mulher. Ter uma mulher atrás das câmaras é ter um trunfo de ouro. Isto porque a realização de Queen Sugar é feita com um toque gigantesco de amor. As relações (e dinâmica) entre as personagens são retratadas de forma tão humana e tão sentida como só uma mulher conseguiria fazer. Não é exageradamente lamechas. Não… pelo contrário! Queen Sugar absorve as energias negativas do seu enredo e transforma-as num conto de família tocante, sem se tornar pretensioso nem descartar elementos chave da sua narrativa. As personagens são todas elas magníficas e, em especial, o pequeno Blue, que já ganhou um espacinho no meu coração. E, como se não bastasse ter provado ser uma realizadora mais que competente, DuVernay não tem qualquer problema em criar uma série em que o elenco é 99% afro-americano. Isto rompe completamente com todo o tipo de preconceito e ideais racistas. É um drama poderoso realizado pelo sexo feminino e que conta com um elenco exclusivamente de raça negra. Isto não é uma prova de nada, é simplesmente uma série de televisão. Não interessa que seja homem ou mulher, branco ou preto, gay ou hetero. A 7.ª arte não vive de géneros, cores ou orientações sexuais… a 7.ª arte vive mesmo desta palavrinha: arte.
Posto isto, Queen Sugar é um drama intenso, bem escrito e realizado, com performances naturais e uma banda-sonora nostálgica. A não perder.
Jorge Lestre