Desde que uma primeira tentativa de se tornar uma super-heroína fracassou que Jessica Jones construiu a sua carreira como uma pouco tolerante, autodestrutiva investigadora privada em Hell’s Kitchen. Atormentada por um caso de stress pós-traumático, Jessica combate os demónios dentro de si própria e os de fora, usando as suas capacidades extraordinárias para ajudar os que mais precisam… especialmente se eles lhe entregarem um cheque!
É incrível como a Marvel vai apostando sistematicamente nos seus contos de banda-desenhada, tentando deixar o fator adolescente para trás, algo comum nas séries da DC Comics como The Flash ou Arrow e aposta num ambiente pesado e com muito clima de sedução, focando-se exatamente no público mais adulto.
Jessica Jones é uma das melhores apostas e adaptações até então da banda-desenhada, isto porque absorve muito dos contos de film noir em que projeta uma protagonista autodestrutiva, que se alcooliza para encontrar alguma paz, que rejeita qualquer tipo de bondade ou interação porque sente que na sua solidão consegue proteger os demais. Mesmo para com os personagens que se inserem no seu núcleo diário, que é o caso de Hogarth (interpretada por Carrie-Anne Moss, de The Matrix) que é uma espécie de chefe de Jones, Trish Walker (Rachael Taylor) que é sua amiga de infância e uma famosa locutora de rádio e mesmo o seu mais recente amigo colorido Luke Cage (o musculado super-herói que também irá ter a sua própria série). Todos estes personagens tentam amenizar a dor e tornar a vida de Jessica um pouco mais colorida, ainda que ela os rejeite. Para entender-se o trauma da heroína, é preciso focarmo-nos em Kilgrave que para já não passa de uma figura fantasmagórica e que, mesmo não estando fisicamente presente, é capaz de lançar o pânico.
Portanto, Jessica Jones é uma ousada viagem ao egocentrismo de uma personagem que, acima de tudo, procura ser mais humana que heroína e que ilustra o quão difícil se torna agradar a uma sociedade que é abominavelmente exigente nos seus padrões de herói. Ainda que tenha começado de forma muito leve, Jessica Jones assume-se como um conto neo noir que aposta no ambiente pesado de uma sociedade putrefacta e voyeur e no contraste da cor em elementos malignos, como os pesadelos da protagonista. É, não só uma pérola de entretenimento, como também um exercício brutal da Marvel que continua no seu auge depois de Daredevil (nota: continuo a preferir à mesma o Diabo de Hell’s Kitchen).
É importante saber que a televisão está mesmo na sua era dourada e que, pelo menos a banda-desenhada, sabe tirar proveito dos melhores elementos da história cinematográfica e televisiva, criando um produto original e que escurece com a pesada temática da sua narrativa. As performances estão igualmente fenomenais, com Krysten Ritter numa versão séria e nauseante, um Mike Colter presente e ternurento, uma Carrie-Anne Moss muito divergente dos seus típicos papéis e, acima de tudo, um misterioso e arrepiante David Tennant. Não só a série prima pelos seus elementos técnicos magníficos, como possui uma banda-sonora palpitante e que nos mantém atentos durante a hora do episódio.
Jessica Jones chegou e está na hora de o mundo conhecer o seu nome e eu vou ficar com ela e aproveitar as regalias da Netflix. Bom binge watching!
Jorge Lestre