Chegou Ragnarok com a sua 3.ª e última temporada e a espera para ver a conclusão desta história finalmente acabou. É perfeita? Não. Valeu a pena? Sim! Segue sempre o caminho mais interessante? Não. No entanto, leva-nos através de uma viagem bastante aliciante. Na conjuntura atual em que se fazem releituras atrás de releituras, este esforço acerta mais do que falha. Bem-vinda ao séc. XXI, mitologia nórdica.
Nesta nova temporada de Ragnarok vemos uma necessária mudança no paradigma das personagens e uma alteração nas dinâmicas do poder. Magne, sozinho, depois da tentativa falhada de derrubar os gigantes na temporada anterior, mas com o mjolnir (martelo de Thor) na mão, não demora a perceber que agora detém ele a vantagem e finalmente começa a usá-la em seu proveito. Subjuga os gigantes a seu bel-prazer, deixando de ser o eterno rapaz inconformado para transformar todos os seus inimigos na bigorna na qual ele bate o martelo. Vemos a família Jutul a agir sob medo, perdendo a sua arrogância natural. Embora esta transição seja demasiado rápida, o que se percebe devido a terem apenas seis episódios para rematar a série, é uma mudança acolhida de bom grado, pois torna as personagens muito mais complexas, dando-lhes camadas e nuances ao humanizar tanto gigantes como deuses.
Usando a mitologia antiga como base, é bastante interessante acompanhar a evolução da série ao longo das temporadas e como aborda temas atuais: alterações climáticas, poluição do meio ambiente, etc.. Vemos a família gigante todo-poderosa como os nossos governos e os deuses caídos em desgraça a funcionarem como ativistas que tentam lutar com os poucos meios que têm. Há ainda a classe capitalista que produz a todo o custo, por oposição à classe operária que assume esse custo todo, mas também os perigos que ter poder podem apresentar.
Magne ficou completamente transfigurado durante grande parte desta 3.ª temporada de Ragnarok. Perdeu a sua essência de justiceiro e tornou-se vingativo e maldoso, tudo aquilo contra o qual sempre tinha lutado. Em contraponto, temos redenção através dos personagens Laurits e Fjor, que estavam no lado negro, revoltados, atados ao “papel” que a vida lhes atribuiu; soltarem-se dessas amarras, cada um à sua maneira, acabando por encontrar a luz. Num panorama geral, isso acaba por acontecer a todos, quando se decidem pela paz e não pela guerra no tão antecipado confronto final. Tendo terminado assim, seria um remate demasiado seguro, previsível e anticlimático, mas felizmente isso não acontece e reservaram mesmo o melhor para o fim.
O que dizer da sequência final desta 3.ª temporada de Ragnarok? Tanta coisa! A escolha estética de como apresentar a batalha final é a prova de como se pode fazer algo com gosto, visualmente apelativo, desde que haja imaginação, não existe necessidade de grande orçamento ao estilo de Game of Thrones ou Vikings. A estilização dos personagens e do cenário resultou na perfeição, principalmente quando entrecortado com o que estava a acontecer na “realidade”. O timing foi muito bem escolhido, na realidade, Ragnarok sempre foi uma série coming of age e nada mais adequado que juntar os personagens todos numa cerimónia de graduação, antes de simbolicamente seguirem em frente como adultos, terem um último dia de despreocupada adolescência, perdidos na sua imaginação.
E aqui ficamos com a palavra “imaginação” a ressoar na cabeça, que nos lembra outro tema recorrente em Ragnarok, a saúde mental. Magne tinha uma imaginação muito fértil, todos lhe diziam o mesmo, que usava como escape em vez de lidar com a morte do pai. Sempre acreditei que era tudo real, até este preciso momento da narrativa. Aqui chegando decidem plantar a semente da dúvida. Afinal estava mesmo tudo na cabeça dele? Não passou tudo de uma elaborada alucinação? Magne, ao destruir a serpente e ao dar os nove passos (quem mais se pôs à beira do sofá a contar os passos dele para confirmar que eram mesmo nove, expectante com o que aconteceria quando desse o último?) fez finalmente o luto e “limpou” a mente ou será que libertou todos os personagens do seu destino fatídico? Fica a dúvida no ar, pois não se comprometem a tentar pender a balança para um dos lados, mas independentemente da resposta, a jornada valeu a pena!
Melhor episódio:
Episódio 6 – Ragnarok – O último, como não poderia deixar de ser. Serviu para rematar a história, fechou o ciclo e está muito bem pensado e executado. Artisticamente funciona na perfeição e ainda somos deixados com aquele final ambíguo que põe em causa tudo o que vimos para trás. Ficamos exatamente com a mesma dúvida do protagonista: será que aconteceu?
Personagem de destaque:
Magne – Pela evolução, pelo crescimento e pela jornada em que o acompanhámos passo a passo, sofremos as suas dores e celebrámos a suas vitórias, é Magne, com toda a certeza.